“GAROTAS”. OU A DIFÍCIL TAREFA DE CRESCER, SENDO IMIGRANTE, NEGRO E POBRE.

Por Celso Sabadin.

Preconceitos raciais, inclusão social, a necessidade de ser aceito, a eternamente complicada questão do imigrante na Europa em geral e na França em particular. São múltiplos – e fascinantes – os níveis de leitura propostos pelo filme “Garotas”, escrito e dirigido por Céline Sciamma.

Se no seu elogiado trabalho anterior – “Tomboy” – Sciamma voltava suas lentes para a questão sexual, agora ela investiga mais de perto os problemas raciais e culturais. A personagem central é Marieme, garota afrodescendente que tem a oportunidade de ganhar uma bolsa de estudos e dar um impulso profissional em sua vida, mas que prefere abrir mão deste seu direito. Motivo? Caso aceite a bolsa, ela estaria se distanciando socialmente de quem de fato a fascina, ou seja, um grupo de garotas igualmente negras, supostamente “descoladas” que têm no consumo seu Deus e no shopping center seu templo.

É um jogo múltiplo de aceitações e de trocas de identidades culturais. O grupo de garotas negras, tentando aceitação na França racista, procura mimetizar o comportamento do colonizador em atos e atitudes, inclusive alisando seus cabelos. Ao mesmo tempo em que a protagonista, buscando aceitação no grupo de amigas, abandona seus próprios predicados intelectuais com receio de ser vista como superior. Se crescer já é difícil, quanto mais numa sociedade desestabilizada e de padrões sócio-culturais em total transformação.

A falsidade e a hipocrisia da sociedade de consumo e principalmente a maneira como ela corrói as identidades culturais explodem no filme de maneira sutil, visceral, sem panfletarismos, e com uma boa dose de realismo. Grande parte dele certamente vindo do fato das atrizes não serem profissionais, e sim meninas recrutadas nas próprias ruas onde vivem.

O filme teve quatro indicações ao César, a maior premiação do cinema francês.