“GLAUCO DO BRASIL”, O TROPICALISTA ESQUECIDO.

Por Celso Sabadin.

Confesso. Quando vi que um cineasta gaúcho havia realizado um documentário sobre o artista plástico igualmente gaúcho Glauco Rodrigues, logo pensei que assistiria a um filme, digamos, essencialmente gaúcho. Nada contra, mesmo porque somos todos sabedores que, no Brasil, os nativos do Rio Grande do Sul se constituem provavelmente no povo que mais sabe prezar suas tradições e valores regionais. Eles e os pernambucanos, mas isso já é outro assunto. Enganei-me redondamente: “Glauco do Brasil” é, sim, um documentário sobre um artista plástico gaúcho realizado por um cineasta gaúcho. Mas com pegada nacional.  

Neste seu longa de estreia, o roteirista e diretor Zeca Brito nos prepara, logo no início do filme, uma simpática surpresa: sem ainda ter ideia que um dia seria cineasta, Brito muniu-se de uma câmera amadora e entrevistou Glauco pela primeira vez em 1998, na festa dos 70 anos do artista, ou seja, quando o então aprendiz de diretor de cinema tinha somente 12 anos de idade. E não foi uma entrevista qualquer: o material coletado na ocasião tem qualidades, e está bem aproveitado no longa. As antigas fitas ficaram “adormecidas” em alguma gaveta, até que em 2013, nove anos após a morte de Glauco, o artista passou por uma espécie de “redescobrimento”, com parte de sua obra ganhando uma exposição na Escola de Belas Artes de Paris. Brito percebeu então que era o momento de resgatar não apenas o antigo material, como também a importância do artista plástico.

 

“Glauco do Brasil” tem o mérito de permitir que a obra do biografado seja de fato o grande objeto do filme. Suas telas, suas artes gráficas (ele foi também diretor de arte e ilustrador) e principalmente suas cores explodem na tela do cinema com destaque e vigor, permitindo que o espectador trave um conhecimento mais próximo de Glauco. Afinal, este é efetivamente um dos objetivos do filme: tentar posicionar o artista no panteão dos grandes Tropicalistas, mérito que – pelo menos segundo os depoentes do documentário – lhe foi negado em vida. Há até o ensaio de uma espécie de “teoria da conspiração”, na qual o gaúcho Glauco teria permanecido à margem das badalações da época pelo suposto fato que o Tropicalismo teria ficado restrito a um grupo de artistas e críticos baianos e paulistas. Talvez a teoria não resista a uma análise histórica mais aprofundada, mas esta pequena mágoa é corroborada por alguns depoentes, entre eles Luís Fernando Veríssimo. De qualquer maneira, ficam claras as influências modernistas de Glauco, que incorporou fortemente os elementos antropofágicos, criando uma obra claramente Pop, misturando santos cristãos com celebridades televisivas, cores em profusão, textos políticos a siluetas urbanas, pitadas de surrealismo e uma boa dose de inconformismo.

A trajetória de Glauco pode ser claramente acompanhada no filme através da evolução de sua arte, e delineada didaticamente com depoimentos que reúnem de Cecil Thiré e Ferreira Gullar, de Stepan Nercessian ao já citado Veríssimo, além de entrevistas com Glauco em diferentes momentos de sua carreira. Tudo regado a canções pontualmente escolhidas de João Bosco e Aldir Blanc.

Como digo algumas vezes, brincando, mas nem tanto, trata-se de um documentário que efetivamente documenta.