GRAMADO 2016: A POÉTICA RESISTÊNCIA CULTURAL DE “GUARANÍ”.

Por Celso Sabadin, de Gramado.

A inexorável justiça da História é implacável. Ela julga e cobra, ainda que muitas vezes se atrase. Ontem, no palco do 44º Festival de Cinema de Gramado, foi a vez de nós, brasileiros, passarmos por um breve – mas pungente – momento de constrangimento histórico. Ao anunciar seu filme “Guaraní” (assim mesmo, com acento), o diretor Luis Zorraquín falou sobre a Guerra do Paraguai, “onde 70% da população masculina daquele país foi aniquilada por brasileiros e argentinos, no que podemos chamar de genocídio”, afirmou. “E como podemos lidar com isso? Com amor, como mostra o filme”, completa o cineasta, para o nosso envergonhamento histórico. Apenas mais um deles, diga-se.

Falando assim, pode-se até pensar que “Guaraní” seja um épico bélico sobre o tema. Não é. Pelo contrário, trata-se de um road movie intimista onde um velho pescador paraguaio e sua neta  Iara (respectivamente Emílio Barreto e Jazmin Bogarin, ambos estreantes em longas) se deslocam de uma isolada vila no interior do Paraguai até a movimentada Buenos Aires. Como é cânone neste subgênero, a viagem trará surpresas e transformações nesta conflituosa relação familiar.

Em grande parte falado no idioma de seu título, “Guaraní” é um pequeno e singelo poema sobre resistências, minorias étnicas e culturas subjulgadas. “O sangue não tem culpa que os países se dividiram”, diz um dos personagens, num roteiro que mostra a desolação de uma nação que deixou nas trincheiras a maior parte de sua força de trabalho, e que até hoje sofre as consequências da barbárie.

Coproduzido por Paraguai e Argentina, o filme apresenta uma fluidez bela e sensível, que se coaduna com o ritmo das águas do rio que transporta os protagonistas, que envolve lenta e afetuosamente ao som do idioma Guarani, um dos últimos pontos de resistência de toda uma cultura à beira da extinção.

O longa não tem exibição prevista para o Brasil: fica a dica para exibidores brasileiros mais sensíveis.

Celso Sabadin viajou a Gramado a convite da organização do evento.