GRAMADO 2021 ABRE COM O PÉ DIREITO (E O CORAÇÃO NA ESQUERDA) COM O JÁ OBRIGATÓRIO “HOMEM ONÇA”.

Por Celso Sabadin.

Quando, algum dia, alguém for tentar compreender o processo de crueldade política que estruturalmente abate o povo brasileiro, serão obrigatórias as análises de, pelo menos, dois filmes icônicos da história recente do país: “Que Horas Ela Volta?” e – agora – “Homem Onça”.

“Que Horas Ela Volta?”, você sabe, explica como poucos o ódio que as elites brasileiras destilam sobre as classes menos favorecidas, principalmente quando elas aspiram por algum favorecimento. É um retrato dos anos 2010.

E “Homem Onça”, que estreou na noite deste sábado, 14 de agosto, na Mostra Competitiva do 49º Festival de Gramado, é ambientado um pouco antes, nos anos 1990, momento em que o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso retalha o país para vendê-lo – barato e aos pedaços – para as forças do mercado, não dando a mínima para os prejuízos econômicos e sociais que tal processo predatório – chamado eufemisticamente de “privatização” –  provoca sobre a população.

Há pontos em comum muito interessantes entre ambos os filmes. Além de seus panos de fundo históricos serem dramaturgicamente esclarecedores destes instantes da vida nacional, tanto “Que Horas Ela Volta?” como “Homem Onça” prestam este verdadeiro serviço ao pensamento da Nação sem destilar uma gota de panfletarismo barato: tudo é mostrado sob fortes  pontos de vista humanos e humanitários das famílias que os protagonizam.

Em “Homem-Onça”, Pedro (Chico Diaz, sensacional) é o profissional responsável por desenvolver um projeto de sustentabilidade para uma certa estatal Gás do Brasil, empresa fictícia, pero no mucho. Tudo corria bem, mas a tal Gás do Brasil está em processo “modernização”, o que significa dizer que ela será privatizada, vai ganhar o nome bonito de Gasbrás, e vai demitir a torto e a direito, em nome do deus mercado.

A situação abala Pedro e – consequentemente – sua família que começa a sentir no bolso e na pele os efeitos do desmonte. Silvia Buarque, esposa de Chico Diaz no filme e na vida real – contribui de maneira determinante no forte tom realista do filme.

Paralelamente – e agora dentro de uma visão mais poética e simbólica da narrativa – Pedro tem instantes ilusórios e oníricos de uma desejada reconexão sua com a natureza, uma espécie de banzo por suas raízes autênticas, vividas provavelmente numa época em que o país, o mundo (ou talvez apenas ele mesmo) eram mais simples e mais autênticos.

O roteiro de “Homem-Onça” é do próprio diretor, Vinícius Reis (o mesmo de “Praça Saens Peña”), em colaboração com Fellipe Barbosa (um dos roteiristas do também ótimo “Casa Grande”) e Fávia Castro (de “Deslembro”).

Reis sentiu na pele a experiência retratada no filme: seu pai era gerente da Vale do Rio Doce, uma das gigantescas empresas estatais saqueada pelos criminosos processos de privatização da era FHC.

Obrigatório, “Homem Onça”, um dos melhores filmes deste complicado 2021, estreia no próximo dia 26 de agosto.

 

15/08/2021