“GRANDES OLHOS” E A FALSIFICAÇÃO NOSSA DE TODO DIA.

Por Celso Sabadin.

Acredito que o trágico episódio de 11 de setembro de 2001 tenha aberto os olhos dos cineastes de todo o mundo para o fato das histórias reais (ou pelo menos baseadas em fatos) serem mais inacreditáveis que as ficcionais. Repare a quantidade de filmes baseados na realidade que tem chegado ao circuito nos últimos anos!

“Grandes Olhos” é um deles. Ele fala de Walter Keane (Christoph Waltz), um sujeito que alcançou enorme sucesso no cenário artístico norte-americano dos anos 60, mas que nem sabia a diferença entre uma pintura a óleo e uma acrílica: na verdade, “seus” quadros eram todos pintados por sua esposa Margaret (Amy Adams), que mal aparecia em público.

Por mais que o maior e mais óbvio tema do filme seja a falsificação, não podemos nos esquecer que “Grandes Olhos” é um filme de Tim Burton, um diretor que seguramente não se fixaria apenas na primeira e mais superficial leitura de um filme. “Grandes Olhos” critica uma falsificação maior, não apenas de quadros, como de toda uma sociedade falsificada, onde a mulher se vê obrigada a sufocar e falsear seus sentimentos. “Eu fui filha, esposa e mãe”, diz Margaret em certa parte do filme, lamentando a sua anulação individual como mulher. Da mesma forma, Walter se transforma em sucesso porque vende aparências, vive delas, depende delas. Margaret chega até a admitir que talvez seus quadros jamais tivessem feito sucesso não fosse pela capacidade promocional de Walter, admitindo a supremacia do marketing sobre a arte.

Temos assim um conjunto coerente com o período em que o filme se ambienta, aquele pós-Guerra onde os EUA despejam sobre o mundo todas as “maravilhas” de um american way of life pautado pela ostentação consumista dos carros rabo-de-peixe, vestidos amplamente rodados e um universo sem fim de eletrodomésticos. Um momento em que manter e impor  aparências eram um verdadeiro ato político.

Sempre antenadíssimo com o aspecto visual de sua obra, Burton reproduz em “Grandes Olhos” as mesmas cores (também falseadas) que a indústria gráfica daquela época estampava nas revistas do tipo “Mecânica Popular” e similares. Ver o filme causa a nostálgica sensação de estarmos folheando uma publicação antiga. A própria interpretação de Waltz é propositalmente over, falsa, sintonizada com tudo o que o filme propõe.

Tudo isso aliado a uma caprichadíssima reconstituição de época, interpretações de encher o olhos e uma irônica crítica de costumes, faz de “Grandes Olhos” um dos grandes filmes da temporada. Um trabalho que, ainda que ambientado há meio século, trata de um tema dos mais atuais: afinal, não continuamos diariamente sendo iludidos por falsificadores de ideias e conceitos? O caso de Walter Keane foi apenas um dos raros que foram desmentidos.