“GUNDALA”, MELHOR QUE MARVEL.

Por Celso Sabadin.

Antes de mais nada, é melhor já ir eliminando todo este preconceito estrutural que nos corrói: filme de super-herói não é necessariamente infanto-juvenil. E muito menos monopólio do cinema norte-americano. Para quem duvidar, estreia nesta quinta (7/10) um filme de super-herói vindo diretamente da Indonésia (e sem coprodução com país colonialista nenhum!). Trata-se de “Gundala”, longa baseado no vingador homônimo publicado pela primeira vez em 1969 pela Bumi Langit, editora especializada na criação de histórias de super-heróis inspiradas por lendas e contos milenares da região da Indonésia.

O projeto prevê lançar nos cinemas os mais variados personagens da editora. Coerentemente, este primeiro “Gundala” é o chamado “filme de origem”, ou seja, aquele que nos apresenta o personagem. Ficamos sabendo que tudo começou quando o pequeno Sancaka presencia a morte de seu pai, um líder trabalhista covardemente assassinado durante uma revolta operária por melhores condições de emprego. Órfão, o garoto aprende a viver sozinho nas ruas de Jacarta, onde prevalece a corrupção, o ódio político e as guerras entre gangues. Sua melhor “defesa” é tentar se manter longe das confusões, fechando os olhos para as injustiças e assumindo uma postura covarde perante a vida. Porém, o DNA humanista de seu pai operário acaba falando mais alto, e Sancaka, agora crescido, se verá obrigado a tomar posições e atitudes perante os males da sociedade.

As comparações deste universo Bumit Langi com a Marvel evidentemente são inevitáveis. E, em minha opinião, a Marvel perde. “Gundala” é mais denso, mais intenso, mais adulto e mais político que os heróis estadunidenses que conhecemos. Vai um pouco mais fundo nas questões que aborda, é mais contundente nas denúncias sociais e – mesmo assumindo claramente uma narrativa comercial – faz menos concessões.

A ideia de centralizar a trama numa dicotomia nacional entre as pessoas que são a favor de um medicamento que supostamente controlaria uma epidemia e pessoas que são contrárias é, no mínimo, assustadoramente premonitória (o filme foi lançado em agosto de 2019).

Óbvio que há lutas e pancadaria, mas diferente da Marvel, elas acabam, em algum momento. Sim, também há humor, só que melhor dosado, sem precisar lançar mão do famoso personagem “engraçadinho o tempo todo”. Por outro lado, é mais violento também, o que o torna desaconselhável para crianças.

Talvez seu único ponto negativo esteja nas lutas marciais, que carecem de uma melhor edição, e muitas vezes deixam o desagradável sabor de ensaio que não poderia transparecer no produto final. Mas é um detalhe.

Com direção e roteiro de Joko Anwar, a partir dos quadrinhos de Harya Suraminata, “Gundala” promete ser a porta de entrada para outros personagens que se seguirão, como Si Buta Dari Gua Hantu, Mandala, Godam, Merpati, Tira, Sri Asih, Virgo, Aquanus, etc etc etc…

Vai se acostumando.