“GYURI”, ENTRE DOIS HOLOCAUSTOS.

Por Celso Sabadin.
Uma mulher idosa dá uma entrevista. Em um idioma incompreensível para mim, ela conta ao seu entrevistador histórias bastante tristes sobre a Segunda Guerra. Felizmente, tudo está legendado. Algumas dificuldades de comunicação entre eles me fazem perceber que o idioma do homem não é o mesmo da mulher, embora ambos sejam igualmente estranhos aos meus ouvidos. Logo penso: provavelmente será um documentário sobre o holocausto nazista. Um detalhe, porém, me chama a atenção: quando as palavras faltam à entrevistada, ela tenta se explicar em português.
Quem seria esta mulher que há mais de 15 minutos fala sobre Romênia, Hungria e Polônia, mas parece pensar em português do Brasil? E por que este filme se chama “Gyuri”, se este não é o nome dela?
Uma virada no roteiro (sim, documentário também tem isso) revela que a tal senhora sobrevivente da Guerra encontrou um novo mundo, uma nova motivação para viver do outro lado do Atlântico, mais precisamente no Brasil, e mais precisamente ainda na terra Yanomami. Ela é Cláudia Andujar que durante décadas se dedicou à militância humana e ao registro fotográfico de parte dos povos originários da nossa Amazônia.
Estreando nos cinemas nesta quinta, 7 de julho, “Gyuri” registra o reencontro, no território Yanomami, entre Claudia e o xamã Davi Kopenawa, com a presença do ativista Carlo Zacquini. O entrevistador de língua estranha é o filósofo húngaro Peter Pál Pelbart. Mas então… quem é o Gyuri que dá título ao longa? Para saber, é preciso ver o filme. Que além de revelar este pequeno e precioso segredo também faz uma importante denúncia sobre as terríveis questões que cada vez mais assolam os povos originários brasileiros.
Quanto àquela minha impressão que o filme trataria do holocausto nazista, eu não estava totalmente errado. “Gyuri” é sobre um holocausto, também provocado por um nazista. Só que muito mais recente que aquele da Segunda Guerra.
O roteiro é de Paula Mercedes e da própria diretora, Mariana Lacerda. Trata-se da estreia de Mariana na direção de longas. Ela é jornalista e mestre em História da Ciência pela PUC-SP. Escreveu e dirigiu os filmes de curta duração Menino-aranha (2008/2009), A Vida Noturna das Igrejas de Olinda (2012), Pausas Silenciosas (2013), Baleia Magic Park (2015) e Deserto (2016, apara Aparelhamento, Ocupação Funarte/SP), vencedores de vários prêmios. Realizou também o argumento, roteiro e direção da série documental para TV “Histórias de Fantasmas Verdadeiros para Crianças”.