“HAIRSPRAY”, ENCANTADOR E IRRESISTÍVEL

O maior desafio de “Hairspray – Em Busca da Fama” é o de manter o espectador sentado na poltrona .O ritmo frenético e envolvente, o roteiro inteligente e interpretações memoráveis garantem diversão e reflexão em medidas iguais. A direção precisa de Adam Shankman mantém a atmosfera que suspende o fôlego.
O racismo contra os negros americanos – hoje o “politicamente correto” impõe o termo afro-americano – os preconceitos contra a obesidade e em última instância em relação a tudo o que diverge do Poder estabelecido contextualizam o musical em que um arrebatador John Travolta , a estreante Nikky Blonsky , uma irretocável Michelle Pfeiffer, um saboroso Christopher Walken, uma emocionante Queen Latifah entre outros, imprimem excelência ao elenco .
Na Baltimore dos anos 60 reina a discriminação feroz. Paralelamente aos problemas sociais, uma juventude ávida por igualdade sonha em participar do show mais popular da televisão americana: The Corny Collins Show em que adolescentes dançam, cantam e se enamoram ao som de rock, baladas e muito laquê nos cabelos.
O sonho de todo adolescente de Baltimore é fazer parte do show, mas para isso é necessário enfrentar a maldade de uma vingativa ex-miss Baltimore, produtora do programa, a impecável Michelle Pfeiffer que vive do passado glamuroso e mãe da ambiciosa e superficial Amber, cinturinha de pilão, inimiga mortal da doce e gordinha Tracy.
Tracy Turnblad (Nikky Blonsky em espetacular performance) é dona de uma pureza sem igual, é rechonchuda, libertária, sonhadora, ama seus pais, e se prontifica a promover manifestações pela integração racial, a começar pela inclusão do Dia do Negro no calendário permanente do show, ou melhor, que brancos e negros dancem juntos eliminando de vez o Dia do Negro.
Ao abrirem as inscrições para a nova dançarina do show, ninguém menos do que Tracy se apresenta na esperança de fazer parte do show e arrebatar o coração de Link larkin, namorada da entojada Amber(Brittany Snow). Ainda que não fosse a melhor ou a mais charmosa, sua alegria de viver, seu desprendimento e solidariedade ao próximo seriam suficientes para torná-la uma vencedora .
Dona de uma voz privilegiada, a atriz tem uma osmose com a personagem tal sua entrega, seu domínio vocal, a interpretação sincera encontram a química perfeita com atores veteranos com Christopher Walken, pai da moça, dono de uma loja de mágicas e apaixonado por Edna, sua esposa interpretada por John Travolta, este um capítulo a parte. Apoiando incondicionalmente a filha, muitas vezes parece um psicanalista tal a dose de auto estima que inocula em mãe e filha. A obesidade de uma a impede de sair de casa e a da outra é quase que uma mola propulsora para vencer desafios .
Os números musicais, quase que ininterruptos, não diminuem a contundência e a seriedade do tema e em suas letras as denúncias aos preconceitos sejam quanto a raça ou o aspecto físico são expostas de modo ao mesmo tempo objetivo e poético. O filme em nada deixa a dever ao original de 1988, dirigido por John Waters, que por sinal aparece no início da versão atual. Os textos de Verna von Tussle, a produtora loira, branca e implacável traduzem a mentalidade racista sem concessões, e o público inicia uma torcida pela igualdade, por um final feliz para os casais multiétnicos e pelo implacável castigo à uma injusta hegemonia branca.
Contagiante, a trilha sonora envolve o filme numa atmosfera de anos 60 que tem tudo para agradar tanto aos jovens da época quanto aos de hoje .Atual ídolo teen, Zac Efron, o astro de High School Musical confirma seu talento para musicais e é um herói romântico na medida certa .
John Travolta é merecedor de uma consideração a parte. É com Divine de saudosa memória, a Edna Turnblad do filme de John Waters, o protótipo da mãe amorosa que ama filha e marido mais do que a si mesma. Vítima de sua inibição por ser obesa, Edna não sai de casa, a menos que a situação o exija, ou seja , algo vital para sua adorada filha. Tendo engordado 15 kg para a composição do papel, Travolta se encaixa na categoria dos atores que levam sua profissão e as exigências de um personagem às últimas conseqüencias .Vale lembrar Marlon Brando, irreconhecível em “Apocalyse Now” de Francis Ford Coppola, Robert de Niro em “Touro Indomável” de Martin Scorcese, Charlize Theron em “Monster”, Renée Zellweiger em “O Diário de Bridget Jones” entre outros . Abstraindo-se que se sabe tratar-se de Travolta, Edna poderia perfeitamente passar por uma mulher , imensamente farta sim, mas de amor.
O número musical encabeçado por Queen Latifah, diga-se de passagem com seus cabelos clareados, arranca lágrimas sem pieguice, traduzindo a postura resistente e combativa daqueles que o racismo não consegue enfraquecer.
No elenco ainda Alysson Janney, Amanda Bynes e James Marsden completam “Hairspray – Em Busca da Fama”, obra que tem todos os elementos para se tornar, uma coqueluche como se diria nos anos 60, nesta primavera que se anuncia.