“HELEN”, SENSÍVEL E ENCANTADORA CRÔNICA URBANA.

Por Celso Sabadin.

Mesmo com pandemia, mesmo com a cultura do país entregue a um bando de ogros enlouquecidos, o cinema brasileiro resiste. E com muita qualidade. Chega aos cinemas em 17 de junho o drama “Helen”, estreia mais do que promissora do roteirista e diretor André Meirelles Collazzo no longa cinematográfico.

Tudo se passa no tradicional bairro paulistano do Bixiga (ou Bexiga, ou Bela Vista. A personagem título é uma garota de nove anos (Thalita Machado, selecionada entre escolas públicas do bairro, ótima) que vive com a avó (Marcélia Cartaxo, desnecessário dizer que é ótima, pois seria redundante), que “administra” um dos típicos cortiços da região.
Helen não vive com a avó por ser órfã. Ela tem pai e mãe, mas o pai é caminhoneiro – vive mais na estrada que na cidade – e a mãe, cabeleireira, simplesmente não tem muita paciência para cuidar da garota. Assim, neta e avó constroem uma relação sólida, de afetos extremos e cuidados mútuos. Ambas são parceiras de coração e sangue nesta elaboração cotidiana e empírica de um sistema de auto-defesa contra as armadilhas da vida, sempre na luta incessante pela sobrevivência.
Cinéfilos mais ligados às questões do chamado storytelling poderiam perguntar: “O que acontece no filme Helen?”. Difícil responder diretamente, ou sem dar spoiler. Acontece tudo e nada ao mesmo tempo. Na realidade, um dos maiores méritos do roteiro reside naquilo que quase acontece. Ou que poderia acontecer. Ou no que poderá acontecer, após a enigmática cena do bolo de aniversário. Melhor não dizer mais nada.

Outro destaque de “Helen” é a magistral combinação entre a fotografia de Alziro Barbosa e a direção de arte de Dicezar Leandro, que dá ao filme um colorido quase mágico, como que filtrando a aspereza da realidade pelo olhar infantil e lúdico da protagonista. Um atenuante da vida. Muito mais que um pano de fundo, o bairro se torna um verdadeiro personagem do longa.
A direção de elenco é seguríssima, equalizando com precisão atuações tanto de estreantes como de talentos consagrados. A garotinha que interpreta Giovanna, a melhor amiga de Helen (não localizei o nome dela) rouba a cena.

Segundo informa o material de imprensa de “Helen”, o longa é inspirado na história real de Agata Helen Garcia Almeida e Maria das Neves de Almeida. Dona Maria – no filme como Dona Graça – é uma senhora que migrou da Paraíba para São Paulo aos 14 anos, e vive no Bixiga, onde vende churrasco na calçada, recolhe aluguéis para o dono do cortiço onde mora e faxina outros imóveis do mesmo proprietário. Dona Maria criou sozinha sua neta, Ágata Helen – Helen, personagem principal do longa -, que nasceu quando seu filho tinha apenas 14 anos, e a mãe da menina 13. Tendo como fonte de renda os trabalhos informais, pagou os estudos de seus filhos e também de Agata Helen, de quem nunca desgrudou.
“Dona Maria ‘blindou’ Ágata Helen dos perigos e riscos que esse estilo de vida em cortiços oferece: assédio, violência, necessidades básicas, tráfico. Nos anos em que frequentei o Bixiga, era muito comum ver Helen dormindo no colo de Dona Maria de madrugada, na calçada, enquanto vendia churrasquinho. E foi a partir dessa relação que resolvi contar a história de duas mulheres, neta e avó, que sobrevivem nas entranhas da cidade de São Paulo”, conta André Meirelles Collazzo.

“Helen” foi selecionado nos seguintes festivais nacionais e internacionais: Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP) 2020, Festival Cinelatino – Toulouse 2020, onde ganhou o prêmio PRIX RAIL DOC, Cine en Construcción -Toulouse 2019, Festival LE ZOLA Reflets du Cinèma 2020, e teve seu roteiro finalista do GUIÕES – Festival do Roteiro de Língua Portuguesa 2017, em Lisboa.
Para quem não está indo ao cinema por causa da pandemia (meu caso), o filme deve entrar em plataformas virtuais no próximo dia 24 de junho.