“HIMMELSKIBET”, O INSPIRADOR DE ”HORIZONTE PERDIDO”.

Por Celso Sabadin.

Uma aeronave vai parar num lugar totalmente distante e inalcançável à civilização como a conhecemos. Um lugar paradisíaco onde todos vivem em paz, sem conflitos, felizes, e sem contato com outras sociedades que eventualmente a possam corromper. Os passageiros e tripulantes desta aeronave – digamos – visitante, a princípio têm dificuldades em compreender tamanha utopia, mas logo se adaptam (não sem alguns conflitos, claro) a ponto de desejarem nunca mais partirem. Porém, mais cedo ou mais tarde, é necessário retornar. Mesmo que alguns prefiram permanecer.

 

Muitos cinéfilos provavelmente identificaram o resuminho acima como sendo o do clássico “Horizonte Perdido”, dirigido por Frank Capra, em 1937, a partir do livro do inglês James Hilton, publicado em 1933. Só que não. Ou, no mínimo, só que também.

 

A sinopse se refere ao longa dinamarquês “Himmelskibet” (o Navio do Céu, numa tradução livre), batizado no mercado internacional como “A Trip to Mars”, e lançado praticamente duas décadas antes de “Horizonte Perdido”, exatamente em 1918.

Embora os créditos oficiais de “Himmelskibet” atribua a autoria do argumento do filme ao escritor dinamarquês Sophus Michaëlis – também autor do roteiro – o mais provável é que a inspiração inicial tenha de fato partido do médico e escritor alemão Albert Daiber, que desde 1910 já publicava livros de ficção científica e de teor pacifista, como “Die Weltensegler” e “Vom Mars zur Erde”.

 

Autorias a parte, “Himmelskibet” é um dos primeiros longas metragens de ficção científica da História do Cinema (seria o primeiro?), na medida em que cria a trama do cientista Avanti  Planetarus (os nomes dos personagens são ótimos!), que constrói um avião espacial capaz de levar uma pequena tripulação até Marte, mesmo sob o cruel bullying de um cientista concorrente, o Professor Dubius.

 

Lá chegando, os terráqueos encontram uma civilização altamente desenvolvida, não exatamente por eventuais conquistas tecnológicas, mas principalmente pela paz que alcançaram. Há milhares de anos não se dispara um tiro sequer em Marte, onde todos são felizes, tranquilos, saudáveis, amigáveis e… vegetarianos.

Um verdadeiro tapa na cara dos humanos, que naquele 1918 (o filme foi lançado em fevereiro, na Suécia), choravam os milhões de mortos da sangrenta e violentíssima Grande Guerra (que na época não se chamava Primeira Guerra porque ainda não se sabia que haveria uma Segunda).

 

Não por acaso, “Horizonte Perdido” (praticamente um remake de “Himmelskibet”, apenas trocando Marte por uma civilização secreta no Himalaia) tenha vindo à tona em 1937, dois anos antes da eclosão da Segunda Guerra, e já na era do terror hitleriano, iniciado em 1933.

 

“Himmelskibet” foi restaurado em 2006 e exibido no Festival de Berlim em 2017.  Veio em boa hora.