“HITCHCOCK” É UMA FESTA PARA OS CINÉFILOS

O filme se chama “Hitchcock”. Mas talvez não seja sobre Alfred. Na realidade, cabem a Alma Hitchcock (Hellen Mirren), parceira de toda a vida do diretor, os momentos mais importantes da trama. Surpresa: “Hitchcock” não é uma cinebiografia, nem um drama, muito menos um suspense sobre o Mestre do gênero. O filme é uma bela história de amor.

A partir do livro “Alfred Hitchcock and The Making Of Psycho”, de John J. McLaughlin, o roteirista estreante Stephen Rebello enfocou a ação dentro do breve período de menos de um ano compreendido entre as estreias de “Intriga Internacional” (17 de julho de 1959) e “Psicose” (16 de junho de 1960). O filme começa e acaba em duas pré-estreias, e mostra um Alfred Hitchcock já famoso, já envelhecido, já consagrado, mas que se depara com um novo desafio na sua carreira: criar algo novo. Exatamente no ano em que completava 60 anos de idade, Hitchcock se recusava a ligar o piloto automático, torcia o nariz para as fórmulas cinematográficas já testadas e aprovadas, e com a inquietação de um garoto buscava novas formas de fazer cinema. Uma inquietação e um inconformismo que separam os gênios dos simplesmente talentosos.

Engana-se quem pensa que Hitchcock, em sua glória, podia tudo no meio do Cinema. Ninguém pode. Contra tudo e contra todos, ele assume o desafio de filmar um livro que todos julgavam vulgar. E põe sua cabeça a prêmio, se o filme não der certo.
É emocionante a cena onde ele diz a Alma que sente saudades da época em que ambos, sem dinheiro nenhum, se divertiam criando novas maneiras de filmar.

Porém – e talvez esteja aqui o grande diferencial de “Hitchcock” – não era apenas contra as emperradas engrenagens de Hollywood que o cineasta teria de lutar. Além, disso, ele se vê obrigado a enfrentar seus próprios fantasmas interiores, suas inseguranças, obsessões, e uma intensa crise com Alma. Muito mais que uma esposa, Alma era um pilar no qual o grandalhão (porém frágil) Alfred se sustentava.

Filmes sobre bastidores do cinema são muito traiçoeiros para os olhos dos cinéfilos. Como o cinema é uma paixão que, para muitos, supera a religião, qualquer elemento fora do lugar, qualquer dogma questionado, qualquer heresia histórica, pode provocar a ira dos fieis… ou melhor, dos fãs. No caso de “Hitchcock”, porém, a comunhão beira a perfeição. A reconstituição de época é de encher os olhos, os diálogos são deliciosos e recheados do doce sarcasmo do humor inglês, e as interpretações estão fantásticas. Sim, a maquiagem de Antony Hopkins não chega a convencer muito bem, mas a forma como o ator galês chegou no registro exato da voz e da respiração do personagem acaba compensando. Isso sem falar na “reencarnação” que James D´Arcy faz de Anthony Perkins, mimetizando com perfeição os olhares e posturas de corpo do inesquecível Norman Bates.

Surpreendentemente, “Hitchocock” foi indicado apenas ao Oscar de Maquiagem e Penteados. Ou, talvez, isso não seja assim tão surpreendente assim. Afinal, o letreiro final do filme lembra uma informação que a Academia adora esquecer: Alfred Hitchcock jamais ganhou um Oscar de direção.