“INSUBORDINADOS” PROPÕE A FICÇÃO COMO CATARSE DA DOR COTIDIANA.

                                  

Por Celso Sabadin.

Fãs de filmes e principalmente de seriados de TV já estão acostumados com os chamados spin off, ou seja, longas ou séries que são derivadas de outros produtos audiovisuais. Casos, por exemplo, de personagens que são coadjuvantes em um seriado e se tornam protagonistas em outro, ou ainda de “visitas cruzadas” entres personagens de produtos diferentes.

“Insubordonados”, longa metragem de Edu Felistoque (o mesmo de “Inversão”) que chega agora aos cinemas, segue por este caminho. O filme começa mostrando Janete (Silvia Lourenço), uma jovem que circula com desenvoltura pelo ambiente de um hospital. Muitas vezes pensativa e com ar preocupado, mas sempre simpática e sorridente com aqueles que a rodeiam, ela parece conhecer a tudo e a todos no lugar. Não é médica, enfermeira, nem funcionária ou paciente, mas sim a acompanhante de seu pai, que se ali se encontra em estado vegetativo. Para tentar amenizar a rotina e a tristeza de cuidar do pai no frio ambiente hospitalar, ela se apega ao seu computador, onde cria personagens e escreve histórias policiais, transformando-se, em forma de alter ego, na delegada Diana.

Quando as tramas de Janete ganham forma na tela, o espectador mais antenado vai perceber: tratam-se dos mesmos personagens da minissérie de TV “Bipolar”, de 2012, criada e dirigida pelo mesmo Felistoque, e interpretada pela mesma Sílvia Lourenço. De certa forma, o longa “Insubordinados” revela que os protagonistas do seriado “Bipolar” nasceram da mente de uma jovem criativa que destilava seus medos e ansiedades através da escrita, enquanto zelava pelo pai doente. O que não é, na vida real, verdade, mas que funciona, no universo ficcional, bastante bem.

Não é preciso ter visto “Bipolar” para curtir “Insubordinados”. Ainda que profundamente correlato e interligado à série, o longa tem vida própria. Acompanha-se com interesse e ternura a solidão de Janete no delicado momento da proximidade da morte da figura paterna, onde ela mistura ternas lembranças de infância com reflexões sobre sua vida e, principalmente, desejos e frustrações projetados sobre as figuras da delegacia fictícia que nasce na sua mente. No mundo de Janete, quase tudo é preto e branco (a fotografia, aliás, é magnífica), desde o seu próprio e dolorido cotidiano, até os personagens que cria em sua imaginação igualmente monocromática. Há, porém, um caloroso espaço para as cores, e elas surgem exatamente nas lembranças que a protagonista tem do pai, memórias que lhe brotam à mente no afetivo e caloroso formato de um antigo Super-8.

Além de interpretar Janete e a delegada Diana com extremas competência e carisma, Sílvia Lourenço ainda assina o roteiro do longa, que, por sua vez, nasce como o primeiro filme da chamada “Trilogia da Vida Real” que Felistoque está desenvolvendo.

Não é pouca coisa. O espectador pode até estranhar, num primeiro momento, uma profusão de personagens que não precisam, necessariamente, ser aprofundados. Mas como diz a própria protagonista, mais importante que saber quem é o assassino é acompanhar os caminhos e trajetórias das pessoas.