JASON – E O CRÍTICO – “VIAJAM” EM “O ULTIMATO BOURNE”

Na mitologia grega, Jasão foi um príncipe deposto do trono paterno pelo seu próprio tio, Pélias, que temia ser morto pelo sobrinho. Pélias, porém, dá uma chance a Jasão: o trono lhe seria restituído se ele conseguir cumprir a missão tida como impossível de buscar uma vestimenta de ouro num lugar distante. Jasão constrói então uma embarcação com a qual se mete numa série infindável de viagens aventureiras e tarefas heróicas em busca da tal vestimenta, e a conseqüente restituição de sua coroa de príncipe.
E o que tudo isso tem a ver com o filme “O Ultimato Bourne”, que encerra a trilogia iniciada com “A Identidade…” e continuada com “A Supremacia…”? Talvez muita coisa. Vejamos, por exemplo, o nome do personagem principal: Jason Bourne. Jason é a tradução de Jasão. E assim como o mitológico herói grego, ele também é obrigado a deixar o “reino” que o criou (no caso, a CIA), empreender uma série infindável de viagens (a trilogia “passeia” por meio mundo), e realizar as mais difíceis tarefas para tentar finalmente regressar à sua casa e reaver sua coroa (no caso, sua identidade perdida e esquecida). Tem mais: no final da trilogia (sem querer estragar a surpresa de ninguém), Jason literalmente renasce em sua real identidade, numa significativa e simbólica cena sufocantemente filmada embaixo d´água. Uma referência ao parto? Talvez, já que a trilogia tem seu início e seu fim mergulhados no ambiente aquático. Assim, nenhum sobrenome soaria melhor para este personagem que “Bourne”, que tem praticamente a mesma sonoridade de “Born” (nascer). Jason Bourne seria o renascimento de Jasão e sua saga heróica. Ah, quer saber se Jasão realmente matou o tio Peléias? Veja “O Ultimato Bourne” e tenha uma pista.
Viajei demais? Pode ser, mas o que é o Cinema se não uma gigantesca e deliciosa viagem mágica?
Mas para quem não está nem aí com a mitologia grega, “O Ultimato Bourne” é um filme que cumpre o que promete: ação, uma ótima trama de espionagem, algumas perseguições espetaculares, personagens cativantes e – ainda por cima – uma proposta de reflexão: a moderna tecnologia acabou definitivamente com a privacidade de todos nós? Seria mesmo possível a uma organização como a CIA, rastrear todo e qualquer celular, todo e qualquer e-mail, de qualquer pessoa que ela desejasse?
O diretor Paul Greengrass (o mesmo do excelente “Vôo United 93”) não deixa que “O Ultimato Bourne” seja somente mais um filme de ação e espionagem. Ele vai além. Sua câmera nervosa (tripé, nem pensar) e enquadramentos claustrofóbicos colocam a platéia no centro da ação, dando pouco espaço aos planos abertos e, conseqüentemente, a pausas para respirar. Existem, sim, aquelas famosas “paradas para explicar o filme”, ou seja, momentos de pouca inspiração cinematográfica onde alguém (os produtores, talvez) achou que seria necessário incluir uma longa conversa entre os personagens, para “explicar” ao público o que está acontecendo. Faz parte: trata-se de uma concessão comercial que teme a pouca capacidade do público médio em entender uma boa trama somente através das imagens. Repare: quase todo filme americano tem isso. Ah, e “O Senhor dos Anéis” é isso o tempo todo, mas essa já é outra história… E como acontece com a maioria dos blockbusters do momento, a música não pára. Nunca. Inclusive de estar tocando até agora.
Vale lembrar que o tema da falta de privacidade não é exatamente novo, já tendo sido levantado com muita qualidade em “A Conversação” (de Francis Ford Coppola, nos anos 70) e mais recentemente em “Inimigo do Estado” (de 1998), ambos estrelados por Gene Hackman. Mas neste momento de intensa e alucinada globalização virtual, vale a pena retomá-lo. O que me lembra: o nome “verdadeiro” do agente Jason Borune, como se vê neste novo filme, é David Webb. Webb? Rede? Internet… calma…. Jasão Renascido já foi viagem suficiente para uma única crítica…