“JORGINHO GUINLE – $Ó SE VIVE UMA VEZ” E O NOSSO ETERNO ABISMO SOCIAL.

Por Celso Sabadin.

Nunca curti muito o chamado “docudrama”, ou seja, documentário entremeado de encenações ficcionais. Sempre achei que ficava meio “nem isso nem aquilo”, insatisfatório simultaneamente como drama e como documentário. Uma coisa meio Discovery Channel, que pode funcionar na TV mas não rola na tela grande.

Porém, com “Jorginho Guinle – Só se Vive uma Vez – dou o braço a torcer: o formato docudrama caiu muito bem no longa, dando agilidade e leveza a uma história que talvez pudesse ficar desinteressante na ficção convencional.

O filme é um retrato escancarado do terrível abismo social que assola o Brasil desde sempre. O personagem título (vivido por um convincente Saulo Segreto) é um rapaz que assume sua condição de herdeiro de uma das famílias mais ricas do país, e que tranquilamente dedica-se de corpo e alma apenas aos prazeres da vida, já que trabalhar estava longe de ser uma necessidade.

O filme informa que a fortuna dos Guinle tivera início na Guerra do Paraguai, momento em que os patriarcas do clã se dedicaram ao contrabando. Mais tarde, já estabelecidos no Rio de Janeiro, os milionários obtêm uma concessão meio mandrake do Porto de Santos, o que os transforma em inabaláveis magnatas. O roteiro do longa não se atém a detalhes de tal concessão, mas deixa claro que festas, viagens e aventuras com as grandes atrizes de Hollywood faziam o cardápio diário de Jorginho, respaldado que estava por uma família íntima do então presidente Getúlio Vargas. Quem achava que os Guinle eram “apenas” os proprietários do Hotel Copacabana Palace vai perceber que os negócios da família iam muito além do calçadão da praia.

Porém, quando o poder sai das mãos de Getúlio, a saúde financeira do clã começa a dar sinais de insolvência, desfaz-se o tão brasileiro binômio Poder/Riqueza, e Jorginho se vê diante de um problema que nunca tivera até então: contas a pagar.

“Jorginho Guinle – $ó se vive uma vez” traça com fotos, músicas, belas cenas de arquivo, depoimentos e encenações ficcionais um retrato nostálgico deste Rio de Janeiro (em particular) e deste Brasil (no geral) que historicamente sempre tiveram um pé bem fincando no maucaratismo. Um país especializado em manter sua população mais humilde o mais sufocada possível para que a elite possa contar sempre com a mão-de-obra quase de graça que lhe garantirá os infindáveis estoques de caviar e champanhe. Um país onde empresariado e poder andam de mãos dadas para se certificarem que os abismos socioculturais nunca se fechem, e que a manutenção do status quo permaneça eternamente a manter o bem estar dos ricos e poderosos.

Dirigido por Otávio Escobar,  “Jorginho Guinle – $ó se vive uma vez”  é uma triste aula de História deste nosso triste país que não acena com nenhum sinal de mudança ou evolução.