“KLONDIKE” E A BIZARRICE DA GUERRA.

Por Celso Sabadin.

A deflagração da guerra entre Rússia e Ucrânia só foi surpreendente para quem não acompanha o noticiário internacional. E o cinema, claro. Quem vai além da home page dos sites noticiosos e dos filmes de super-herói sabia que a tensão entre os dois países já vem de longa data, e que o conflito parecia mesma apenas uma questão de tempo. Como foi.

O premiado “Klondike” – que no Brasil ganha o subtítulo marqueteiro de “A Guerra na Ucrânia” – não é exatamente um filme de guerra”, na clássica acepção do termo, mas sem dúvida é um ótimo drama familiar, com toques sarcásticos, provocado e motivado pelo conflito.

Ainda que ambientado em 2014 (confirmando ainda mais que a questão não é tão recente), “Klondike” é totalmente atual. Tudo se passa em Donetsk, lugar teoricamente localizado na Ucrânia e que, não bastassem os conflitos com a Rússia, ainda luta politicamente para ser reconhecido como república independente. Sua localização é fronteiriça com a Rússia e muito próxima à Criméia, outro barril de pólvora da região. Nada é muito tranquilo por ali.

Na região rural da cidade de Donetsk, uma manobra bélica desastrada destrói parcialmente a casa do casal Irka (Oksana Cherkashyna) e Tolik (Sergey Shadrin), gerando conflitos internos e familiares tão ou mais “explosivos” que a própria guerra. Com a casa semi-destruída, eles passam a viver uma semi-vida.

Grávida, Irka se enfurece com o marido assustado que, pressionado por seus amigos separatistas, assume uma postura colaboracionista com os russos, na ingênua intenção de postergar o problema. Yarik (Oleg Shcherbina), irmão de Irka, entra na trama para colocar ainda mais lenha na fogueira – se é que isso é possível – enquanto as tropas russas se aproximam cada vez mais perigosa e avassaladoramente do lugar.

Tudo isso acontece em 17 de julho de 2014, data em que um Boeing da Malasia Airlines caiu sobre território ucraniano, supostamente abatido, em episódio jamais esclarecido suficientemente.

O roteiro e a direção da ucraniana radicada em Istambul, Maryna Er Gorbach, enfatizam os vários níveis de bizarrices que compõem uma guerra, principalmente entre localidades, interações e culturas próximas. O grande amigo de ontem pode ser – e será – o grande oponente do dia seguinte. Uma roupa, um uniforme, uma palavra, podem ser a diferença entre a vida e a morte. Rancores sufocados se transformam em violência instantaneamente. A perplexidade é a palavra de ordem. E não apenas entre russos e ucranianos.

Gorbach, que também assina a montagem, destaca o papel das mulheres na resistência ao conflito: “O instinto de sobrevivência de Irka é maior na guerra. E essa mensagem me fez dedicar o filme a elas. Num sentido mais amplo, também quer dizer: Não há soldado ou matador sem mãe. Há sempre uma mulher por trás deles. Não creio que nenhum homem lutaria por seus valores, por si mesmo. Os homens que lutam na Ucrânia buscam suas forças no fato de terem mães, esposas, filhas.”

Misturando o drama da sobrevivência com um humor ácido e corrosivo, beirando o kafkiano, “Klondike” venceu o prêmio do Júri Ecumênico na mostra Panorama do Festival de Berlim, e de Melhor Direção (categoria World Cinema – Drama) em Sundance.

Estreia nos cinemas em 5 de maio.