LANÇADO AGORA EM DVD, “CANINOS” EXPLORA A OBSESSÃO HUMANA PELOS CACHORROS.

Espanha, 1979. Chocar era preciso. Após décadas sufocado pela ditadura franquista, o país vivia seus primeiros anos de liberdade. Era necessário colocar para fora todos os gritos que estavam travados nas gargantas espanholas. Não por acaso, o final dos anos 70 vê o surgimento do cineasta catalão Bigas Luna. Radical, Luna desenvolveria um cinema visceral e vigoroso, sem nenhuma preocupação em agradar paladares mais comportados ou comerciais.

“Caninos” é um bom exemplo de seu estilo. A história é centralizada em Bernardo e Eloísa, dois irmãos, cada um a sua maneira, obcecados doentiamente por cachorros. Vivendo um processo de degeneração tanto econômica quanto moral, afetiva e social, os irmãos vivem numa velha mansão decadente (aliás, um dos símbolos mais frequentes do conterrâneo e contemporâneo Carlos Saura), à espera da herança de uma tia doente. Porém, a tão aguardada fortuna acelera ainda mais os processos obsessivos dos irmãos.

Luna não hesita em escancarar na tela todos os elementos disponíveis à sua tão necessária provocação incômoda que busca para retratar a hipocrisia da sociedade. Começa o filme com uma piscina infestada por caracóis e carne em decomposição, detroça um carrapato, abre generosos closes para uma intervenção cirúrgica, e desfila com desenvoltura por temas como incesto e zoofilia. Se nada disso der certo, sobra um close de uma obturação dentária, com direito ao inconfundível som agudo da broca do dentista.

Na linha das obsessões animais, o filme mostra também uma sessão de cinema exibindo um filme sobre cachorros (mais especificamente, “Benji”) feita para atrair cinófilos e seus cãezinhos, com o objetivo de, após o filme, vender lotes de um tal “Canópolis”, um condomínio planejado especificamente para os amantes de cães. Um seria um cãodomínio? Neste particular, Lunas se mostra profético: o que em 1979 poderia parecer uma crítica ácida contra o processo de animalização das pessoas (ou de humanização dos cães), hoje é uma patética realidade.

“Caninos” ganhou os prêmios da crítica e de melhor direção no Fantasporto, festival de cinema fantástico da cidade do Porto, em Portugal. Hoje talvez estivesse mais próximo do gênero documentário.