LANÇADO EM BLU-RAY, “A MORTE PASSOU POR PERTO” MOSTRA O INÍCIO DO TALENTO DE KUBRICK.  

Por Celso Sabadin

Um jovem, irriquieto e já talentoso Stanley Kubrick é o que pode ser verificado no filme “A Morte Passou por Perto”, de 1955, que faz parte da caixa “Essencial Kubrick”, novo lançamento da Versátil. O filme é somente o segundo longa do diretor, que na época contava com apenas 26 anos. Logos nos créditos iniciais, percebe-se a marca das bases do cinema autoral, que Truffaut havia lançado cinco anos antes: “A Morte Passou por Perto” é escrito, dirigido, editado, fotografado e produzido por Kubrick. Mais autoral que isso, difícil.

O cineasta também tomou emprestado de Truffaut (e seus colegas) as influências da Nouvelle Vague Francesa, que na época fazia grande sucesso pelos festivais de cinema do mundo. Levou sua câmera para a rua sem grandes preocupações de produção, filmou no meio da multidão desavisada, obteve um atraente resultado quase documental, e foi fundo na construção psicológica de seus protagonistas. Nas cenas internas, deitou e rolou quebrando anárquica e criativamente os eixos de câmera, fez ótimo uso das luzes e sombras, e usou e abusou de vidros, vidraças, espelhos e transparências que acabam simbolizando – conscientemente ou não – as diversas formas de distorções que embaçam nossa visão dos fatos.

Enganos pela vida, por sinal, é o que não faltam aos protagonistas de “A Morte Passou por Perto”. Davey Gordon (Jamie Smith), uma promessa jamais cumprida do mundo do boxe, apaixona-se pela vizinha Gloria Price (Irene Kane), uma dançarina de salão com um passado trágico. Ambos outsiders que por um breve momento em suas vidas chegaram a tangenciar milimetricamente o sucesso, mas perderam-se pelo caminho. Para triunfar, este amor marginal precisará superar não só as amarras de seus próprios amantes, como também a intervenção violenta de Rapallo (Frank Silvera), um dos muitos erros que Gloria cometeu em sua trajetória. A redenção do casal e dos cruéis submundos novaiorquinos em que ambos se embrenharam pode surgir sob a forma da ingenuidade interiorana da qual nada vemos, e só ouvimos num sotaque de um telefonema qualquer.

“A Morte Passou por Perto” é uma ágil (menos de 70 minutos) mistura de film noir com Nouvelle Vague, produzida com bem pouco dinheiro e com muito talento, como uma espécie de precursor dos caminhos que o cinema norte-americano seguiria alguns anos mais tarde.

Diferente do diretor, a dupla central de atores não conseguiu obter sucesso em suas carreiras futuras.