LANÇADO EM DVD, “HERANÇA NA CARNE” É RITO DE PASSAGEM PARA OS ANOS 60.

Herança da Carne
por Celso Sabadin

Havia algo de novo no cinema norte-americano no final dos anos 50. “Juventude Transviada” já sinalizara uma mudança indicativa da perda da ingenuidade do pós-guerra, somada à disponibilidade de uma certa camada de público para a discussão de temas mais fortes e mais maduros. Ao mesmo tempo, alguns jovens e promissores atores começavam a encarnar personagens mais complexos e menos conformados. Estava-se preparando o terreno para os revolucionários anos 60, que já batiam à porta.

É neste cenário que surge o vigoroso “Herança da Carne”, lançado em 1960, que chega agora ao DVD em lançamento da Versátil. A partir do único livro de William Humphrey adaptado para o cinema (“Home From the Hill”), o diretor Vincente Minelli traça um cruel e amargo panorama de uma família patriarcal do sul dos EUA. Wade (Robert Mitchum) é o todo-poderoso da cidadezinha que comanda com mão de ferro não apenas a política local como também a sua disfuncional família. Sua esposa (Eleanor Parker) se anulou diante do marido prevaricador, e sua limitada visão de mundo é comandada pela truculência e pela paixão pela caça e pelas armas.

Porém, assim como o cinema norte-americano da época busca um certo tipo de maturidade, da mesma forma da família de Wade vai emergir o filho Theron (George Hamilton), que aos 17 anos se vê diante do dilema do crescimento: ou se torna apenas uma sombra, igual sua mãe, ou um tirano como o pai. Mas com os anos 60 batendo à porta, não haveria opções mais dignas para o rapaz?

Minelli dirige este melodrama sócio-familiar com vigor e precisão, evitando que a narrativa descambe para o que poderia ser piegas. Mais que isso, aborda com seriedade temas como adultério e gravidez fora do casamento, fortes tabus do cinema americano da época. Percebe-se na trama o microcosmo da família tradicional em falência, preconizando talvez um mundo novo sem lugar para o machismo. Um país forjado a partir de filhos bastados que buscam um lugar ao sol diante de uma nova sociedade que se redesenha em sua primeira geração pós-Segunda Guerra.

Com cenas e diálogos antológicos, um belíssimo tema musical e a típica fotografia dos anos 50, que explode em luzes e cores, “Herança da Carne” concorreu à Palma de Ouro em Cannes e chegou a ser premiado no Bafta (pela atuação de George Peppard). Porém, ousado e abordando temas polêmicos, ficou totalmente fora do Oscar. Claro!