“LINHA DE PASSE”: TALVEZ O MELHOR FILME (BRASILEIRO OU NÃO) DO ANO.

Programe-se para assistir a um dos melhores (talvez o melhor?) filme brasileiro deste ano. Dirigido a quatro mãos por Walter Salles e Daniela Thomas, “Linha de Passe” é um primor de cinema, de narrativa e – o mais importante – de emoção.

A sinopse sugere “mais um filme brasileiro sobre a miséria”. Longe disso. Esqueça. “Linha de Passe” é um filme sobre limites. Trata-se de um belíssimo roteiro que acompanha simultaneamente a trajetória de cinco personagens: a empregada doméstica Cleuza (Sandra Corveloni, que surpreendeu a todos e a si própria ao ganhar o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes deste ano) e seus quatro filhos. Vivendo na periferia paulistana, cada membro desta família procura a sua própria solução para tentar resolver – ou, talvez, minimizar – as duras conseqüências de uma vida que se desenrola na linha da pobreza.

Dênis (João Baldasserini), um motoboy sem muitos escrúpulos, tem um filho que mal o reconhece e não hesita em roubar do próprio irmão, se for preciso. Dario (Vinícius de Oliveira, o ex-garoto de “Central do Brasil”) tem grande talento para o futebol, mas está na idade limite para ser cortado dos processos de seleção de novos jogadores. Assim como milhões de brasileiros, ele também é um moço “aposentado” precocemente pelas exigências cruéis de um mercado de trabalho que mastiga e cospe jovens talentos. Dinho (José Geraldo Rodrigues), que já teve problemas no passado (o texto do filme sugere, mas não explica), refugia-se na Fé do Evangelho, ao mesmo tempo em que trabalha num posto de gasolina. E o mais novo, o pequeno Reginaldo (Kaique de Jesus Santos, uma grande revelação) é apaixonado por ônibus e fascinado pelo ato de dirigir um deles.
Já a mãe busca seu escapismo torcendo freneticamente nos jogos do Corinthians.

Toda a família vive situações limites. Denis é quase um marginal. Dario é quase um jogador profissional. Dinho quase tem Fé. Reginaldo é quase um motorista de ônibus. E o time de Cleuza está quase caindo para a segunda divisão. Estar o tempo todo à beira de algo que pode (ou não) acontecer a qualquer minuto é a grande chave-mestre de “Linha de Passe”. Pode-se dizer até que é um filme de suspense. Não o suspense colonizado de zumbis e serial killers, mas o da agonia que todo o brasileiro vive diariamente nas ruas. Do medo de não voltar para casa. Do medo de não dar certo na vida. Do medo de não conseguir sobreviver dignamente. Aqui, os fantasmas são outros.

Outro mérito do roteiro (escrito por George Moura, Daniela Thomas e Bráulio Mantovani) foi ter tido a coragem de não cair nas valas comuns dos filmes que analisam esta Guerra Civil Brasileira vivida entre ricos e pobres. Felizmente, foge-se da simplista relação causa/efeito onde todo pobre é bonzinho mas vira marginal porque precisa, e de que todo rico é “do Mal” e explora o pobre. Esta visão Chapeuzinho Vermelho da realidade brasileira felizmente passa bem longe de “Linha de Passe”. Aqui, antes de serem ricos ou pobres, os personagens são humanos.

O precioso conteúdo do filme é emoldurado por uma direção seguríssima, precisa em todos os detalhes. Capaz de desenvolver não um, nem dois, mas cinco diferentes protagonistas, ao mesmo tempo em que cria na platéia uma forte empatia pelas situações de “quase” vivenciadas por todos eles. É inevitável torcer por este ou por aquele, quando não por todos.

A câmera de Salles e Daniela é generosa com o elenco, presenteando a todos com closes belissimamente iluminados pela fotografia densa de Mauro Pinheiro Jr., ao mesmo tempo em que embala a ação com a trilha intimista do argentino Gustavo Santaolalla, o mesmo compositor de “Diários de Motocicleta” e “O Segredo de Brokeback Mountain”.

Em entrevista concedida ao jornal “O Estado de São Paulo”, Walter Salles diz quer espera que seu filme seja assistido no Brasil por mais ou menos 100 mil pessoas. Dá até dó das outras 189,9 milhões que não o assistirão.