“LIRA PAULISTANA” REMEMORA PERÍODO DE OURO DA AGITAÇÃO CULTURAL DE SÃO PAULO.

“Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista” é, sim, um documentário musical. Mas é bom não confundir: não é um documentário musical “como tantos outros”. Cada vez mais estamos nos acostumando a ver (e adorando) diversos filmes sobre personalidades individuais importantes da nossa música, como Vinícius, Raul, Simonal, Betânia… “e tantos outros”. “Uma Noite em 67” e “Tropicália”, para citar dois exemplos, documentaram épocas, movimentos e tendências musicais. Mas “Lira Paulistana” traz um viés diferenciado: trata-se, antes de mais nada, de um documentário sobre um lugar, um espaço.

Claro que o filme enfoca toda uma movimentação artístico-musical que marcou a cena paulista dos anos 80, revelando inúmeros músicos, grupos e cantores de variados estilos vanguardistas da época. Mas nada disso aconteceria – e os depoentes são unânimes ao afirmar isso – não fosse pelo espaço físico da casa. O aspecto aconchegante do porão, a proximidade dos artistas com a plateia, o Lira como ponto aglutinador de toda uma geração, são vários os aspectos que ressaltam como a existência da casa – fisicamente falando – foi determinante para o surgimento de tudo aquilo que o filme mostra.

Neste sentido, o documentário toca num ponto fundamental. Nos dias de hoje, onde prevalecem os contatos virtuais, os home offices, o isolamento pessoal e a comunicação a distância, fazer todo um filme baseado na importância determinante de um espaço físico é, no mínimo, revolucionário. O filme sequer precisaria ir além disso. Mas foi. Felizmente tanto para os paulistanos da minha geração, que tiveram o prazer de conhecer o Lira, como para todos os demais brasileiros, que não conheceram o famoso porão, mas que têm agora, através do cinema, o oportunidade de compreender sua importância.

“Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista” chega com o aval do diretor Riba de Castro, que foi nada menos que um dos sócios deste espaço cultural que agitou a cena musical da cidade entre 1979 e 1986. Riba não economizou na lista de depoentes, que inclui Luiz Tatit, Ná Ozetti, , Passoca, Roger Moreira, Eduardo Gudin, Wandi Doratiotto, Cida Moreira, Lanny Gordin, Nelson Ayres, Amilson Godoy, Kid Vinil, Vânia Bastos, Tetê Espíndola, Alzira Espíndola, Alice Ruiz, Hélio Ziskind e vários outros que por lá passaram, tocaram, e viram a consolidação de grupos como Língua de Trapo, Rumo, Premê, etc.

Mas o filme não se atém “somente” (as aspas são importantes) ao panorama musical paulistano de vanguarda que se revolucionava naquele instante e naquele lugar. Ele vai além, e mostra como o Lira foi o aglutinador e catalisador de todo uma agitação cultural que envolvia ainda as artes plásticas através da então inédita grafitagem de muros, o jornalismo alternativo, livros, exposições, cartuns, e a produção audiovisual na época batizada por uma palavrinha mágica que ninguém conhecia, mas que ganharia muita força nos anos subsequentes: vídeo.
Foi inclusive nas vizinhanças do Lira que se instalou, na época, a produtora Olhar Eletrônico, de certa forma um embrião do que mais tarde viria a se transformar na poderosa O2, de Fernando Meirelles e companhia. Parte da produção audiovisual captada naquele instante ajuda a compor o deliciosamente nostálgico painel de imagens que ajudam a compor o documentário.

O momento cultural respirava, com alívio e ansiedade, os ares democráticos que se avizinhavam com a visível perda de força da ditadura militar, e todo este clima pode ser revivido em “Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista”. Imperdível.