‘LONDON RIVER” É UM POEMA CINEMATOGRÁFICO CONTRA A INTOLERÂNCIA.

Parisiense de origem muçulmana, o cineasta Rachid Bouchareb coleciona prêmios e indicações em festivais internacionais, tanto como diretor quanto como produtor. É ele o produtor, por exemplo, de “O Pecado de Hadewijch”, recentemente estreado no Brasil. Em “London River”, dirigido, co-escrito e produzido por Bouchareb, não foi diferente, com o filme levando dois importantes prêmios no Festival de Berlim 2009: o Ecumênico do Júri e o de Melhor Ator para Sotigui Kouyaté, aqui em seu último filme.

E o filme é realmente um primor! A sempre impecável Brenda Blethyn (de “Orgulho e Preconceito”) interpreta Elisabeth, uma viúva que vive tranquilamente cuidando de seu pequeno sítio no interior da Inglaterra. Sua paz desaparece repentinamente com a notícia dos atentados terroristas que abalaram Londres, em 2005. Motivo: sua filha mora na capital. E não está mais atendendo aos telefonemas da mãe.
Elisabeth então é obrigada a abandonar a estabilidade e a tranqüilidade do campo para se embrenhar através de uma amarga e dolorida busca pelos meandros de uma cidade grande traumatizada pela tragédia. Pelo caminho, ela terá de rever seus orgulhos e preconceitos.

Não é apenas o mote principal – a angústia de uma mãe à procura da filha – que faz a beleza de “London River”. A direção de Bouchareb também é das mais precisas e preciosas. Seu ritmo introspectivo e estilo minimalista contrastam com o desespero da situação. A câmera se recusa a abrir o plano para uma visão mais ampla, preferindo se fixar em closes sobre a protagonista, da mesma forma que ela, a mãe, prefere não querer enxergar de fato o que está acontecendo. Enquadramentos claustrofóbicos que não só presenteiam a interpretação de Brenda, como também causam na plateia o incômodo de querer ver mais, saber mais, enxergar mais. O que não é possível, pois estamos vendo a situação filtrados pelo olhar de Elisabeth.

Quando a mãe entra no apartamento londrino da filha, por exemplo, não vemos o que ela vê. Apenas imaginamos o que ela possa estar vendo, através das expressões de seu olhar. Um verdadeiro poema cinematográfico. Mesmo porque este olhar terá de evoluir do preconceito para a tolerância – e até para a amizade – em nome da sobrevivência e da manutenção da esperança e da sanidade.

Seu contraponto é Ousmane (Sotigui Kouyaté, veterano ator nascido em Mali, e morto no último mês de abril), um homem que carrega consigo, calado, todo o sofrimento do continente africano onde nasceu e cresceu. Será ele o responsável por encontrar o fio da meada que desenrolará não somente o desaparecimento da garota, como também a transformação de Elisabeth.

Assim como grande parte dos filmes europeus recentes, “London River” (coproduzido entre Inglaterra, França e Argélia) fala da inevitável intersecção entre dois mundos tão diferentes e ao mesmo tempo tão interdependentes: o mundo do colonizador branco europeu e o do colonizado oprimido, seja ele de que origem for. E a mensagem de que nada terá solução se não houver, mais que tolerância, cooperação.

As duas rápidas cenas finais (não, não vamos contar o fim) são de notável concisão cinematográfica: Ousmane deixando morrer aquilo pelo qual sempre lutou, e Elisabeth arando com ódio a terra que sempre amou. Ambos com seus corações indelevelmente marcados pela violência.

Um dos melhores filmes do ano.

Confira o trailer: