“LOVELACE” NÃO PRETENDE SER PROFUNDO COMO A PERSONAGEM QUE O INSPIROU.

Ao assistir “Lovelace”, a primeira frase que me veio à mente foi aquele célebre ditado “Quem vê as pinga que eu tomo não vê os tombo que eu levo”. Ao contar a história real de Linda Lovelace, atriz pornô que ficou meteoricamente célebre nos anos 70, o roteirista Andy Bellin (o mesmo de “Confiar”) e a dupla de diretores Rob Epstein e Jeffrey Friedman (do ótimo documentário “Quando Hollywood Sai do Armário”) conceberam um filme rigorosamente dividido em duas partes.

A primeira metade, “as pinga que eu tomo”, narra de maneira clássica e linear a trajetória de Linda (Amanda Seyfried, convincente), garota simples, classe média, tratada com rigor pelos seus pais conservadores. Ela já havia tido um filho, dado para adoção, fruto de um relacionamento teoricamente irresponsável, mas isto é tratado no filme apenas de maneira tangencial. Nesta primeira parte, só se vê o lado cor-de-rosa da história, com a rapidíssima ascensão da menina ao pico do show-biz erótico norte-americano através de “Garganta Profunda”, o primeiro filme de sexo explícito a romper as barreiras do submundo do entretenimento e ganhar a grande mídia mainstream. O ano era 1974, época que prenunciava uma América mais liberal… que depois viria a se tornar novamente conservadora e careta, mas isso é outra história.

É na segunda metade, “os tombo que eu levo”, que são mostradas as mazelas por trás da versão midiática, principalmente os maus tratos que Linda sofria de Chuck Traynor (Peter Sarsgaard), seu marido/cafetão.

Ainda que bastante preso aos padrões tradicionais das cinebiografias convencionais, “Lovelace” levanta a interessante questão dos limites entre o que seria social e midiaticamente “aceitável” no mundo do entretenimento. Por que “Garganta Profunda” rompeu barreiras? O filme, talvez pela sua bizarrice, tirou (pelo menos por um período de tempo) o mercado pornográfico dos becos escuros da imprensa para jogá-lo nas luzes das grandes redes de televisão da época, esbofeteando o conservadorismo e a hipocrisia de uma parte da sociedade norte-americana que se escandalizava com a imagem de uma mulher nua, mas apoiava matar milhões de vietcongues. Esbofetear (de leve) a sociedade conservadora, sim; esmurrá-la para derrubar, jamais. Pois na grande Disneyworld do Norte, tudo é válido desde que faça fama e fortuna, até ser imediatamente substituído por qualquer outra bizarrice que, a exemplo da anterior, também faça fama e fortuna, pois “in gold we trust”.

Não que o filme vá fundo em nenhuma destas questões, mas serve para, pelo menos, provocá-las. Crédito também para a opção de exibir comentários e trechos de programas de TV reais da época, o que confere a “Lovelace” um bem-vindo clima documental.

Ah! Tente reconhecer “onde está Sharon Stone”…