LUBITSCH ATIRA PARA TODOS OS LADOS COM “A BONECA DO AMOR”.

Por Celso Sabadin.

Bem antes de fazer sucesso no cinema norte-americano com suas aclamadas comédias sarcásticas “Ninotchka” (1939), ”A Loja da Esquina” (1940) ou “Ser ou Não Ser” (1942), o diretor alemão Ernest Lubitch já havia marcado uma sólida carreira no teatro e no cinema de seu país.

“A Boneca do Amor”, de 1919, é o seu 24º longa dirigido na Alemanha. Fora os curtas. Diferente de outros cineastas germânicos que emigraram para os EUA fugindo do nazismo, Lubitsch cruzou o Atlântico bem antes, em 1922, convidado por Mary Pickford, a grande estrela estadunidense da época.

Na verdade, quando Lubitsch iniciou sua carreira, em 1912, o cinema não falava nem alemão, nem inglês: ele simplesmente não falava.

A partir da opereta “Das Puppenmädel” (1910), do austríaco Alfred Maria Willner, o próprio Lubitsch, em parceria com o roteirista Hanns Kräly, adaptou para o cinema a história de Lancelot (Hermann Timmig), herdeiro de um barão milionário (Max Kronert), mas que só receberá o dinheiro do rico tio se estiver casado. Lancelot, porém, detesta a ideia e, pressionado, pede asilo num mosteiro. Ele prefere fazer votos de pobreza e castidade a ter de se casar.

Astutos, interesseiros e hipócritas, os monges propõem que Lancelot engane seu tio “casando-se” com uma das bonecas construídas pelo famoso fabricante de brinquedos Hilarius (Victor Janson). Elas têm tamanho natural, são movidas a corda, e obedecem a uma meia dúzia de comandos básicos. São feitas para “solteiros, viúvos e misóginos”, como diz o anúncio publicitário que um dos monges mostra a Lancelot, já com a ideia de tirar o dinheiro do herdeiro relutante.

Como não podia deixar de ser, a farsa dará margem a uma série de mal entendidos e situações cômicas.

“A Boneca do Amor” atua num lúdico registro de fantasia burlesca, onde a comicidade reside tanto nos figurinos e atuações, como nos cenários divertidamente pintados, uma espécie de resposta picaresca aos lúgubres ventos do expressionismo que começava exatamente naquele momento a dominar as telas alemãs.

Ácido como sempre, Lubitsch dispara sua metralhadora giratória contra tudo e contra todos. A ganância da Igreja na figura dos monges, a objetificação da mulher, a monetização do casamento como instituição, a aristocracia, a perversidade dos herdeiros que – numa das melhores cenas – disputam a tapa o patrimônio do milionário que ainda nem sequer morreu, e até a posição do protagonista, caracterizado com afetação caricata homossexual no início do filme para mais tarde, como gostam de acreditar os conservadores, devidamente “curado” pela “boneca”.

Boa parte de “A Boneca do Amor” se apoia na expressividade marcante de gestos e olhares de Ossi Oswalda no papel título, ela que foi uma das atrizes preferidas de Lubitsch.

Um divertido clássico pouco conhecido.