“LULA” ABRE 2010 COM POLÊMICA.

Durante a Ditadura Militar brasileira, vários filmes estrangeiros tiveram suas exibições proibidas no Brasil. Entre eles estava o excelente “Z”, de Costa-Gavras. A notícia da proibição chegou ao conhecimento do cineasta que obviamente achou tudo muito ridículo. “Que bom seria se um único filme tivesse o poder de derrubar uma ditadura”, afirmou Gavras, na ocasião.

O mesmo raciocínio é válido para “Lula – O Filho do Brasil”. Que bom seria se um único filme tivesse o poder de fazer, digamos, 10% do que andam falando que o filme pode fazer. Que bom seria se o Cinema tivesse de fato todo este poder. Provavelmente “Lula” é a obra cinematográfica que mais mídia espontânea recebeu, antes mesmo de sua estreia. Foi chamado de eleitoreiro, chapa branca, mentiroso e muito mais por gente que nunca o assistiu. E nem poderia ser diferente, já que o assunto é um dos presidentes mais polêmicos de nossa história. Um homem que atrai para si, ao mesmo tempo, gigantescas quantidades de ódio e amor.

Falam que “Lula – O Filho do Brasil” é um ato político. Claro! Todo filme é um ato político, até o mais despretensioso. O Cinema é um ato político. Sobre o fato dele ser mentiroso, vale lembrar: não é um documentário. Não é uma reportagem. É uma obra de ficção. E baseada num livro, que também por si só é outra obra de ficção. Seu compromisso com a realidade é tênue.

De qualquer maneira, para a indústria cinematográfica brasileira, já é um filme histórico. Primeiro por ser o mais caro já realizado neste país (falam em R$ 17 milhões), e segundo por não ter recebido, diretamente, nenhum tipo de dinheiro público.

Cinematograficamente, é um filme competente, dentro de sua proposta claramente comercial de atingir o maior número possível de espectadores. Não é cinema de arte, não busca o cinéfilo mais exigente, e por isso mesmo é um trabalho esquemático, até certo ponto burocrático. Mas digno.
Dramaturgicamente, bebe direto na fonte de “2 Filhos de Francisco”, embora sem conseguir, nem de longe, atingir o mesmo grau de emoção obtido por Breno Silveira. Percebe-se que a produção de “Lula” deve ter estudado à exaustão o filme sobre Zezé di Camargo e Luciano para tentar mimetizar seus elementos de sucesso. Até na trilha sonora.

“Lula” é quase um filme em episódios, didaticamente explicadinho, legendado com os locais e as datas de onde tudo aconteceu, para que ninguém se perca durante a trama. Não chega a ser uma linguagem televisiva, pois traz enquadramentos, posicionamentos de câmera e direção de fotografia que são profissionalmente bastante cinematográficos. Mas é inegável que a forma episódica como os fatos se sucedem na tela favorecerá ao público mais acostumado à TV. E, por que não, já fica tudo mais fácil para uma provável e futura minissérie.

Há vários pontos positivos. Além dos técnicos, já citados, o filme é rico em boas interpretações, desde a já consagrada Glória Pires, até o estreante Rui Ricardo Dias, que interpreta o personagem título em sua fase adulta. Às vezes ele fala com a voz rouca típica de Lula, às vezes, não, mas são detalhes. A história em si – a superação de um garoto paupérrimo até chegar ao cargo máximo de um país (seja ele qual for) já é, por si só, um conto de fadas e, consequentemente, de fortíssimo impacto cinematográfico.
Mas o que mais chama a atenção é a inacreditável depuração de Fabio Barreto como diretor. É espantoso como um cineasta que já havia realizado obras de extrema fragilidade cinematográfica e até constrangedoras como ”Bela Donna”, “A Paixão de Jacobina” e “Nossa Senhora de Caravaggio” (que não conseguiu sequer ser distribuído em todo o Brasil) tenha se superado desta forma, realizando um “Lula” repleto de qualidades e que não perde o encanto mesmo com pouco mais de duas horas de projeção. Vale lembrar que “O Quatrilho”, ainda que indicado ao Oscar, estava bem longe de ser uma obra empolgante. Bem longe.

Esquemático, de narrativa clássica, mostrando uma história de superação, não muito criativo, de fácil diálogo com o público, bem produzido, pouco sutil… interessante: “Lula – O Filho do Brasil” não só segue a fórmula das tradicionais biografias romantizadas do cinema comercial americano, como pode se tornar efetivamente o nosso primeiro filme a ganhar um Oscar. Um Oscar que, como se saber, nunca na história deste país foi ganho…

Mas contra isso, porém, ele tem um gigantesco defeito: falta o final catártico, o gran finale apoteótico e quase operístico típico dos grandes blockbusters, e que até “2 Filhos…” tem. O final de “Lula” soa apressado, parecendo que faltou alguma coisa. Ou, talvez, seja apenas a transição para um “Lula 2”.

De qualquer maneira, “Lula”, o filme, é igual a Lula, o presidente: ele fala a língua do povo. E deve ser bem sucedido neste diálogo com a plateia.

Quanto às reclamações oposicionistas, teríamos o máximo prazer de ver um (bom) filme sobre Fernando Henrique Cardoso ou José Serra. Todo homem vale uma biografia.