“M-8 – QUANDO A MORTE SOCORRE A VIDA”: CORPOS NEGROS IMPORTAM.

Por Celso Sabadin.

Vidas negras importam. No caso de “M8 – Quando a Morte Socorre a Vida”, corpos negros importam. Aqui, literalmente. Com direção de Jeferson De (do premiado “Bróder”), o longa enfoca Maurício (Juan Paiva), um corpo estranho, negro, entre vários estudantes brancos, em alguma Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro. Mas que poderia estar em qualquer lugar do Brasil, repetindo o mesmo paradigma.

Logo em seus primeiros dias de aula, Maurício se sente incomodado ao perceber que todos os cadáveres disponibilizados para os estudos dos alunos são negros. A rigor, ele e alguns poucos funcionários da Faculdade são os únicos negros vivos do lugar.

Até então alheio às questões raciais brasileiras, o protagonista se sente compelido a, de alguma forma, agir e ocupar seu lugar dentro de uma sociedade estruturalmente racista. Em sua nova trajetória de estudante universitário, Maurício aprenderá muito mais que Medicina.

Admito que, em um primeiro momento, “M8” me incomodou um pouco pela sua falta de sutileza. Firmando suas posições sempre de maneira incisiva, o filme não dá margem a meias palavras ou a meios olhares. Pelo contrário, em determinados momentos chega a ser até um pouco didático. Por exemplo: é ótima a ideia de homenagear Marielle Franco através de uma pintura no muro, mas seriam necessárias três cenas em três momentos diferentes da narrativa para compor a ideia? Não seria redundante demais?

Contudo, percebi também que, na medida em que os dias passavam, a obra não saía da minha cabeça. Neste meio tempo, houve o terrível caso do Carrefour. Foi quando percebi que a proposta do longa é perfeita: o Brasil não está para sutilezas. Trata-se de um momento de luta dura que não permite mais meias ações. E que sutilezas cinematográficas podem ser (como de fato são) muito bem-vindas ao olhar do crítico, mas nem sempre compõem a melhor estratégia quando há outros temas a serem – mais que abordados – gritados.

Pode-se dizer assim que “M8” é um filme-manifesto, urgente e importantíssimo no momento em que vivemos.

Ainda que irregular, “M8” traz cenas antológicas, como o incômodo humor nervoso proporcionado pela mãe de Suzana quando ela percebe que sua filha poderia, talvez, estar namorando um negro. Ou a intensa intepretação de Mariana Nunes (vivendo Cida, mãe de Maurício) em cena de discussão com seu filho.

O roteiro é de Felipe Sholl e do próprio diretor, a partir do livro homônimo de Salomão Polakiewicz.  Vencedor na categoria Filme de Ficção, por voto popular, do último Festival do Rio, “M8 – Quando a Morte Socorre a Vida”, chega aos cinemas mais de um mês depois da reabertura das salas nas principais capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.

“M-8 – QUANDO A MORTE SOCORRE A VIDA” pode ser considerado como um filme de terror. Não exatamente por algumas questões esotéricas, religiosas e espirituais que aborda, mas principalmente pela realidade social brasileira que disseca.

Ailton Graça, Léa Garcia, Rocco Pitanga e Lázaro Ramos fazem participações especiais.