MACHADO NÂO PRECISAVA DE “O DEMONINHO DE OLHOS PRETOS”.

A sempre difícil transposição da literatura para o cinema acaba de ganhar mais um capítulo com o filme “O Demoninho de Olhos Pretos”. Triste capítulo. Após mais de duas décadas sem filmar (seu último filme foi “Baixo Gávea”, de 1986), o diretor Haroldo Marinho Barbosa lançou-se na ambiciosa empreitada de adaptar para a tela parte do livro “Contos Fluminenses”, de Machado de Assis. E mais: filmou não um, nem dois, mas logo quatro contos de uma vez, envolvendo várias reconstituições de época e uma vasta profusão de personagens. Foi muito. Certamente não havia verba para tanto, e o resultado é visivelmente tosco.

O primeiro episódio se passa em 1902, e mostra um homem rico e preguiçoso que de repente percebe que está na penúria financeira. No segundo, ambientado em 1945, dois primos entram em guerra pelo amor de uma mulher. O terceiro tem ambientação em 1977, e fala de um rapaz que pensa em suicídio após ser abandonado pela amada. E no último, passado nos tempos atuais, dois amigos aplicam um golpe e planejam uma fuga para o exterior. Unindo os capítulos, diversos personagens, de alguma forma, se vêem entretidos pela leitura de Machado, e percebem que suas próprias vidas têm fortes relações com o texto. Uma forma simpática de mostrar a atemporalidade do escritor, mas que cinematograficamente não empolga. Basicamente por três motivos:

Em primeiro lugar porque o roteiro privilegia a palavra em detrimento da imagem, o que é perfeitamente válido numa obra literária, mas se mostra enfadonho e cansativo quando o assunto é cinema. Por mais que o texto seja delicioso – e é – o espectador se pega várias vezes questionando se não seria melhor estar lendo o livro naquele momento, ao invés de ter ido ao cinema.

O segundo ponto é a fraca direção de elenco, que nos remete a uma época já passada do cinema brasileiro, onde a dublagem prejudicava a espontaneidade. E o pior é que “Demoninho…” é feito com som direto.

E o terceiro motivo diz respeito à produção pouco caprichada, que deixa acumular uma série de pequenos erros que, aos poucos, vão desconcentrando o espectador da obra. Como, por exemplo, um moderno interruptor de luz na cena de 1945, ou um enorme relógio de parede que aparece várias vezes… mostrando sempre a mesma hora. Sim, são detalhes. Mas detalhes que o atual nível do cinema brasileiro não aceita mais. Ou não deveria aceitar.