“MAGIA AO LUAR” É WOODY ALLEN EM PLENA FORMA.

Vivemos num mundo de rapidíssimas transformações, onde tudo muda a cada instante, provocando momentos de insegurança e contrariedade. Medo, até. A verdade cristalina de ontem é a mentira deslavada de hoje, e de uma hora para a outra nada mais é o que parecia ser.

Assim, é reconfortante a sensação de segurança e conforto que tive ao entrar numa sala de cinema, ver as luzes se apagar lentamente, e o mágico facho luminoso do projetor estampar na tela a abertura do mais novo filme de Woody Allen, igualzinha às aberturas de todos os filmes de Woody Allen, há décadas. O fundo preto, a mesma tipologia de letras, e sempre um delicioso jazz tradicional emoldurando tudo proporcionam no espectador uma sensação de segurança parecida com a de segurar na mão do pai. Ou a de encontrar sempre o mesmo garçom mesmo depois de anos sem ir ao mesmo restaurante. Woody Allen é assim: aquele porto seguro ao qual se recorre quando se está cansado do turbilhão, a certeza de que, mesmo se ele estiver em seus piores dias, sempre veremos um dos melhores filmes da temporada.

E “Magia ao Luar” é Woody Allen em plena forma. Um cineasta quase octogenário que ostenta aquela deliciosa condição de não precisar provar mais nada para ninguém. Tudo acontece na Europa do final dos anos 1920, o que por si só já dá margem à desenhista de produção Anne Siebel (a mesma de “Meia Noite em Paris”) viajar por românticos cenários, locações e figurinos de sonhos. É neste clima de belas ilusões que o mágico Stanley (Colin Firth, excelente) se fantasia de mago chinês para apresentar seu tradicional e bem sucedido número de ilusionismo pelos palcos europeus. Assim como já fizera em “O Escorpião de Jade”, Allen revisita o mundo da magia. Fora do palco, Stanley é um homem prepotente que utiliza seu corrosivo humor britânico para impor suas céticas ideias sobre um impossível mundo que não seja palpável e concreto. “Das sessões espíritas ao Vaticano, tudo é uma fraude”, afirma. Porém, seu grande amigo e velho colega de magia Howard (Simon McBurney) está encantado com a jovem americana Sophie (Emma Stone, de “O Espetacular Homem-Aranha”) que parece realmente possuidora de incríveis poderes paranormais. Stanley e Howard decidem então passar alguns dias numa bela casa de campo francesa para conhecer a moça e tentar desmascará-la. O que talvez não seja nada fácil.

A partir deste singelo mote, Allen desenvolve saborosíssimas situações que discutem o poder e a importância da fantasia como válvula de escape para a realidade. Expõe seu lado romântico sem jamais deixar de alfinetar sarcasticamente as mazelas do comportamento humano, ao mesmo tempo em que embala a plateia com cores e cenários impressionistas banhados no melhor do jazz do século 20. Ah, claro, com direito a pitadas de Niestzsche.

“Não posso perdoá-la. Só Deus pode”, diz o cético Stanley à crente Sophie. “Mas você disse que Deus não existe”, ela retruca. “Exatamente”, ele finaliza. É notável como diálogos tão ingleses, na boca de um ator tão inglês, tenham saído da novaiorquina mente de Allen. Que, entre outras, nos brinda como pérolas do tipo: “Você nasce, não comete nenhum crime, e mesmo assim é condenado à morte”.

Woody Allen é assim mesmo: por mais que os tempos mudem, a gente sempre pode confiar nele.