“MÁQUINA DE SONHOS”, RETRATO DO BRASIL

Por Celso Sabadin.

Estudantes do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Amapá são convocados por um dos professores a fazer um filme. A proposta inicial previa uma criação coletiva e democrática, do roteiro à finalização. Passado o prazo para a conclusão do trabalho, absolutamente nada foi feito pelos alunos. O professor decide então deixar a democracia de lado e entrevistar seus alunos compulsoriamente. Sob pena de reprovação para quem não concordasse. A edição destas entrevistas resultou neste documentário “Máquina de Sonhos”, que está sendo considerado (pelo menos até prova em contrário) o primeiro longa metragem produzido no estado do Amapá.

Trata-se de uma produção amadora, com o próprio professor em questão, Nycolas Albuquerque, assumindo todas as funções técnicas do longa, do cenário à edição final, passando pela luz, som, câmera, tudo. O que não tem a menor importância, pois as revelações contidas nos depoimentos dos alunos são profundamente relevantes para a compreensão do Brasil não só atual como historicamente.

Praticamente todos eles reclamam que, em seus grupos de trabalhos escolares, “ninguém” se interessa, “ninguém” faz nada. A culpa é sempre do outro. Se algum aluno tenta de alguma forma participar mais, ele é acusado de se sentir superior aos demais. Se não participa, é omisso. Se o professor deixa as principais questões para o grupo decidir democraticamente, o trabalho nunca é feito. Se ele assume as rédeas do projeto, é autoritário.

Quando confrontados com tal realidade, e questionados por que isso acontece, não se chega a um resultado palpável. Há quem atribua o problema à opressão da ditadura militar de 64. Mas emana deste caldeirão de achismos a total inabilidade da sociedade brasileira em lidar com a Democracia, nossa incapacidade de participar de coletivos, nosso DNA de Macunaíma impregnado de preguiça que trava qualquer busca por informação e por luta cidadã, nosso messianismo eternamente à espera entorpecida de um salvador que desça dos céus e resolva todos nossos problemas.

Paralelamente, uma profunda dimensão humana emerge de cada um dos entrevistados, representando no microcosmo amapaense – pelo esforço de Albuquerque – a mesma realidade nacional retratada pela obra de Eaduardo Coutinho.

Percebe-se, em “Máquina de Sonhos”, como foi possível chegar neste arremedo de país em que vivemos hoje.

O filme está disponível gratuitamente em

https://www.youtube.com/watch?v=YdAIjoz8DsI&fbclid=IwAR1IzLGmYLpyDD41sfPgX68ZnktS468xd366RVlMdGv4N5ST7MYJbFViGic