“MARGUERITE”, OU O VAZIO DA VERDADE.

Por Celso Sabadin.

Com maior ou menor intensidade, é inevitável que todos nós interpretemos personagens no nosso dia-a-dia. Socialmente, incorporamos algumas máscaras e embalagens que nos escondem ou nos revelam de acordo com cada situação enfrentada. Um sorriso talvez um pouco falso, uma gravata, uma empostação de voz, o fato é que, de acordo com Millor Fernandes, “a verdade é uma só: todo mundo mente”. O grande problema é quando se passa a acreditar de fato no personagem que se incorpora.

Toda esta introdução com jeitão de psicologia de boteco se aplica ao ótimo “Marguerite”, filme que busca inspiração numa história real para abordar a loucura de quem acredita na própria história que criou para si.

Com notável requinte visual, “Marguerite” é ambientado na charmosíssima França dos anos 1920, tempo e lugar onde a milionária Marguerite Dumont se realiza promovendo recitais de ópera para seu seleto círculo de amigos. Porém, logo se percebe que seu canto, seus amigos, seu casamento e praticamente tudo que a rodeia é falso. Apenas sua fortuna é verdadeira. E grande o suficiente para comprar todas as ilusões que ela precisa para tornar mais suportável seu mundo repleto de dinheiro e vazio de verdades.

Escrito e dirigido por Xavier Gianolli (o mesmo de “Quando Estou Amando”), “Marguerite” transita com desenvoltura entre o patético, o cômico e o dramático, desenhando com afetividade as contradições de uma personagem complexa e repleta de nuances que ganha vida e alma na ótima interpretação de Catherine Frot. Digna de nota também é a construção do personagem Madelbos (o congolês Denis Mpung), a verdadeira encarnação da fidelidade cega.

Filmado totalmente na República Checa, “Marguerite” teve quatro indicações ao César, e foi indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza. A estreia é nesta quinta, 23 de junho.