“MARIAS” SE REINVENTA DURANTE SEU PRÓPRIO PROCESSO DE PRODUÇÃO.
Por Celso Sabadin.
Como não amar o gênero documentário? Imprevisíveis e dinâmicos, não raramente os documentários pregam peças terríveis em seus realizadores. “Marias”, que entrou em cartaz nos cinemas na última quinta-feira, 17/10, é um bom exemplo disso.
Originalmente concebido para documentar a vida de Maria Prestes, a segunda (e menos conhecida) esposa do líder político Luís Carlos Prestes (sim, a primeira foi a famosa Olga), o longa passou por um problema que parecia insolúvel. Após 5 anos sendo gravada e filmada pela equipe da diretora Ludmila Curi, Maria Prestes decidiu abandonar o projeto, e não mais permitir o uso de suas imagem e voz. Por que? O filme não diz.
A solução então foi readaptar a ideia, que passaria a contemplar não uma única Maria, mas sim as várias Marias que ajudaram a construir a história do Brasil, desde Maria Bonita, a companheira de Lampião, até Dilma Roussef, que utilizava Maria como um de seus codinomes na luta contra a ditadura de 64. A documentação de Maria Prestes permaneceria no filme através de pessoas relacionadas a ela, reconstituições, e de locais que ela percorreu.
Deu certo? Mais ou menos. Por um lado, percebem-se no filme alguns malabarismos de roteiro que tentam, com maior ou menor sucesso, contornar a questão do abandono da protagonista. Por outro, o longa amplia seu escopo (fazia tempo que eu não lia essa palavra), abordando outras histórias paralelas, e enriquecendo seu conteúdo.
A questão maior, contudo, é que “Marias”, por si só, acaba se transformando numa verdadeira aula de documentário, assumindo seus perrengues e conversando aberta e sinceramente com seu público, na medida em que se reinventa e assume esta viagem desafiadora e maravilhosa que é documentar.
Particularmente, eu já o recomendei para meus alunos de Narrativas Documentais.
Quem dirige
Ludmila Curi é uma realizadora especializada em temas políticos e sociais, com filmes exibidos em festivais nacionais e internacionais. Entre seus trabalhos destacam-se a websérie EscutaRio.com.br, desenvolvida com a população em situação de vulnerabilidade do Rio de Janeiro, e que teve quatro títulos premiados; a ficção “Intervalo”, com os atores Claudio Mendes e Luca de Castro; o filme “Doutor Magarinos, advogado do morro”, sobre a resistência do Morro do Borel; e o curta “Proibidão”, sobre funk proibido.