“MATEÍNA – A ERVA PERDIDA”: A CARA DA NOSSA AMÉRICA.

Por Celso Sabadin.

Sempre me lembro daquela música que diz que “ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil, não vai fazer deste lugar um bom país”. O raciocínio pode ser expandido: ficar olhando para a América do Norte e dar as costas à nossa América do Sul é um prejuízo cultural incalculável para o nosso país.

Tudo isso – e muito mais – me veio à cabeça ao assistir “Mateína – A Era Perdida”, mistura de sátira, crítica política, policial e road movie que estreia nos cinemas nesta quinta, 31 de março. Coproduzido por Uruguai, Argentina e Brasil, o longa é uma aula de Latinoamérica, tanto em seu tema, quanto em sua viabilização artístico-cinematográfica.

A ação se passa em 2045, momento em que o governo nacionalista-patriótico do Uruguai empreende uma guerra insana contra a tal mateína do título (mate + cocaína?), uma droga a ser banida do território nacional. Neste contexto, Fica (Federico Silveira) e Moncho (Diego Licio) – dois pequenos traficantes da droga – se vêm obrigados a viajar até o Paraguai, para continuar sobrevivendo de seus negócios ilícitos.  Embarcando numa espécie de versão latino-americana da Jornada do Herói, ambos acabam se transformando inadvertidamente em mambembes salvadores da pátria.

“Mateína – A Erva Perdida” escancara com ironia e criatividade toda a nossa precariedade sulamericana. Um filme ambientado num futuro absolutamente decadente e despojado, descolorido a abandonado, no qual prevalecem restos, sobras, pedaços e um arraigado sabor de fim de mundo. Um lugar onde o acaso prevalece.

Esqueça todo e qualquer glamour sobre traficantes de drogas e ambientações futuristas que nos acostumamos a ver na produção cinematográfica do colonizador. Aqui é colônia raiz, áspera e rude do lado de baixo do Equador.

Sabiamente, o filme também mostra como continuamos a viver entre tanta precariedade – e lá vem spoiler – na medida em que revela que a proibição da mateína está diretamente ligada à chegada no mercado de um novo produto incentivado pelo governo uruguaio e produzido nos EUA. Destruir a cultura local para impor a do colonizador é a continuidade deste ciclo vicioso que nos consome desde que Espanha e Portugal invadiram as terras daqui. Hoje, o invasor é outro, mas o processo é o mesmo.

A tal mateína fictícia a ser eliminada na verdade é o simbolismo dos pampas representado no tradicional mate, elemento cultural tão forte na região que um personagem chega a afirmar que tem muita gente que só faz sexo para tomar um mate depois. “É o risco de seguir um ideal”, como diz o policial Gutiérrez (Roberto Suárez).

A lamentar somente algumas narrações em off absolutamente dispensáveis durante a trama, que comprometem o bom ritmo do filme.

Vencedor dos prêmios de melhor filme e ator do 12º Festival de Cinema da Fronteira, e exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Mateína – A Erva Perdida” é uma inteligente e divertida estreia em longas da dupla de realizadores uruguaios Joaquín Peñagaricano e Pablo Abdala Richero, que assinam direção e roteiro.

Chega aos cinemas brasileiros em 31 de março.