Melinda e Melinda

Sempre discordei de quem diz que “já não se fazem mais filmes como antigamente”. Adoro os bons filmes antigos, da mesma forma que tenho o maior prazer – tanto pessoal como profissional – de ser contemporâneo de cineastas do porte de um Woody Allen, por exemplo. Esperar pelo “novo Woody Allen” é sempre gratificante, mesmo que não seja uma grande obra dele. Caso, por exemplo de Melinda e Melinda, que está longe de ser a melhor coisa que o famoso cineasta nova iorquino já fez… e mesmo assim é muito agradável de ser visto. Ou seja, um Woody Allen, mesmo fraco, continua sendo uma boa opção.
Tudo começa numa noite de chuva torrencial. Numa mesa de restaurante, um grupo de intelectuais discute sobre o que seria mais “nobre”: a tragédia ou a comédia. Alguém então propõe um jogo: imaginando-se a situação fictícia de uma mulher que aparece de surpresa num jantar de amigos, sem ser convidada, valeria mais a pena desenvolver uma história trágica ou cômica? A partir daí, o filme trabalha com duas histórias diferentes para uma mesma personagem, uma bela e perturbada Melinda (a australiana Radha Mitchell, de Em Busca da Terra do Nunca) que invade a vida de dois casais, provocando crises e acendendo paixões.
Trata-se nitidamente de um filme cem por cento auto-referencial de Woody Allen, que sempre pautou sua obra em cima da dualidade tragicômica do indivíduo e das relações sociais. Dependendo do ponto de vista, um mesmo fato assume contornos cômicos os trágicos. Ou, trocando em miúdos, o drama de hoje é a chanchada de amanhã. Nada muito profundo. Mas um punhado de diálogos divertidos (quase todos saídos da boca de Will Ferrell, o alter ego de Allen neste filme) e o sempre aconchegante desenho de produção de Santo Loquasto – eterno colaborador do cineasta – são suficientes para garantir um programa agradável. Aos 69 anos, Woody Allen parece não querer discutir no momento nada mais sério, neste que é o seu 35o. longa-metragem.