“MEMÓRIAS DA BOCA” REVERENCIA E REFERENCIA O CINEMA PAULISTA DE DÉCADAS PASSADAS.

Por Celso Sabadin.

 

Há uma citação atribuída a Rogério Sganzerla que diz algo como “Se não for possível fazer direito, a gente escracha”. É com este pensamento que deve ser visto o filme “Memórias da Boca”, longa metragem composto por oito episódios que evocam histórias, estilos e principalmente o espírito de se fazer cinema da chamada Boca do Lixo, região da capital paulista que deu verdadeiras aulas de mercado cinematográfico ao restante do país, dos anos 50 aos 80.

 

É importante ressaltar que todos os episódios foram assinados por cineastas envolvidos com aquele criativo período de produção em que os filmes atingiam o público e se pagavam na bilheteria. Segundo uma breve apresentação feita no início do filme pelo professor, pesquisador e montador Máximo Barro, o Cinema da Boca deu certo porque os produtores enganavam os exibidores na hora de mostrar seus orçamentos, e os exibidores enganavam os produtores na hora de apresentar seus números de bilheteria. Ou seja, todos faziam vistas grossas e tudo acabava funcionando bem à brasileira. A maneira despojada, quase informal – digamos – pouco preocupada com formalismos e formalidades que caracterizava boa parte da produção da Boca, é aqui mimetizada e repetida. Serve como uma homenagem ao estilo da época que pode surpreender os mais jovens, mas que não deixa de ser o resgate formal de todo um período.

 

Os oito episódios de “Memórias da Boca” são:

 

Amigas para Sempre – comédia de Alfredo Sternheim com Elisabeth Hartmann e Neide Ribeiro. Elas interpretam duas atrizes do cinema da Boca que se encontra em um café. A conversa, inicialmente fraterna em meios às lembranças, descamba para uma intensa discussão.

 

Passagem de Tempo – documentário de Mário Vaz Filho. O diretor narra o surgimento da Embrapi, produtora independente formada por dez cineastas da Boca para ser uma alternativa às empresas tradicionais. Homenageia aos falecidos Ody Fraga, Jean Garrett, Antonio Moreiras e Cláudio Portioli.

 

Bangue-bangue – de Valdir Baptista. Com Walter Vanny e José Indio Lopes. Diálogo nostálgico e descontraído entre dois técnicos e atores faz evocação da feitura dos westerns no Cinema da Boca. Cenas de filmes e depoimento do crítico Rodrigo Pereira e Mário Vaz Filho.

 

Entrando pelo Cano – comédia de Tony D´Ciambra, com Amanda Banffy, Eduardo Silva, Gilda Vandenbrande, Zé da Ilha. Um encanador, por engano, vai parar em um prostíbulo da Boca do Lixo onde uma atendente o trata como cliente agendado para condutas bizarras.

 

Triumpho 134 – Os Cineclubes na Boca do Lixo – de Diogo Gomes dos Santos. Com imagens da época e depoimentos de Alain Fresnot, André Gatti, entre outros, o filme resgata a importância do movimento cineclubista no local e na época da ditadura militar.

 

Experiência Macabra – de Clery Cunha. Com cenas de Joelma, 23º andar, que dirigiu em 1980, o cineasta Cunha lembra um fato cômico envolvendo o ator Carlos Marques durante as filmagens em um depósito funerário.

 

Autofilmagem – de José Mojica Marins. Um passeio atual com José Mojica Marins pela rua do Triunfo.  Ele discorre sobre a importância e a versatilidade do cinema da Boca, lembra também a solidariedade que existia e que ajudou a viabilizar vários projetos de muitos cineastas.

 

Mil Cinemas – de Diomédio Piskator. Com Debora Muniz, Mel Lisboa, Carla Gobbi, Beto Magnani, Osvaldo Gonçalves, Juan Carlos Alarcón, Wilson Sampson e outros. Metalinguístico, encena em linguagem fragmentada e humor, os bastidores de uma filmagem atual na Boca do Lixo.

 

Ah, assim como acontecia com os filmes da Boca do Lixo daquela época, este também não conta com apoios estatais e grandes patrocinadores oficiais. Autenticidade a toda prova.