“MEU AMIGO FELA”, A FORÇA (AUTO) DESTRUTIVA DE UM FURACÃO CULTURAL.

Por Celso Sabadin.
 
Entrevistas em inglês e francês contam a trajetória de um músico e ativista nigeriano. Mas não se deixe enganar: o filme é brasileiro.
 
Com direção de Joel Zito Araújo (o mesmo do importante documentário “A Negação do Brasil”), “Meu Amigo Fela” fala da vida e da obra do controvertido Fela Kuti, ídolo pop africano e mundial que dedicou sua carreira a compor e cantar contra as dominações coloniais. Não por acaso, o filme o compara a outros líderes de movimentos pela igualdade racial, incluindo os icônicos Malcolm-X, Martin Luther King e – por que não? – Marielle Franco.
 
A linha narrativa do documentário – e as próprias entrevistas – são conduzidas por Carlos Moore, amigo pessoal e biógrafo oficial do documentado. Ele investiga Fela através dos olhares de pessoas importantes que conviveram com o ídolo, incluindo seu filho, amigos próximos, colegas de música e uma de suas ex-esposas, Sandra Izsadore. “Ex-esposa”, aqui, é uma palavra que assume contornos, digamos, épicos: Fela teve 27 delas, sendo várias ao mesmo tempo. Isso sem contar as extra-oficiais. O filme acaba justificando o fato através de uma alegada cultura poligâmica vinda de diferentes tribos africanas, mas prefere não fazer juízo de valor quando a violência de Fela contra algumas delas acaba vindo à tona nos depoimentos.
 
Atribua-se ou não a situação ao fervente caldo cultural que dominava as produções artísticas e intelectuais dos anos 1970 – época do auge de Fela – o fato é que o filme é competente e instigante ao retratar não apenas o período, como também a força da mensagem antirracial e anticolonial do astro nigeriano. Um astro que acabou ele próprio se ofuscando em meio a devaneios tidos como espirituais e arroubos de exacerbada auto-estima que empanaram o brilho de uma efervescente carreira.