“MEU BOLO FAVORITO”: IRANIANO, PERO NO MUCHO.
Por Celso Sabadin.
Não é bairrismo, nem xenofobia, muito menos alguma questão referente ao tão polêmico conceito de “lugar de fala”. Mas sempre desconfio quando vejo países europeus produzindo filmes sobre culturas que não são as suas. Em tempos politicamente complicados como os nossos, este tipo de coprodução quase sempre carrega um forte cheiro de manipulação política.
Vejamos por exemplo o caso de “Meu Bolo Favorito”. Quais motivos teriam levado produtoras cinematográficas da França, da Suécia e da Alemanha a se associarem a cineastas do Irã para a realização de um filme – alegadamente – iraniano? Contar a história romântico/sentimental de um simpático casal de idosos? Participar de festivais de cinema através de uma fórmula narrativa sabidamente “copeira”, como se diz no mundo do futebol? Fazer um cinema artístico?
Talvez. Mas me parece muito mais plausível que tal participação europeia – sempre com seu pensamento colonizador – tenha entrado nesta empreitada como (mais uma) forma de difusão ideológica contra regimes políticos não alinhados aos conceitos do chamado Velho Mundo.
Não, não sou favorável ao atual regime iraniano, muito menos à interferência religiosa nos rumos de um país, mas tampouco curto este tipo velado de propaganda ideológica. Por exemplo: como justificar aquela cena totalmente deslocada do contexto na qual a protagonista “salva” da tal Polícia Moral uma jovem que estava sendo presa por usar erroneamente o seu véu? Tudo bem, ficou bem melhor a cena da mesma protagonista maquiando-se solitariamente em sua casa, retratando assim sua nostalgia de não mais poder andar maquiada pelas ruas do país transformado em teocracia. Ideia, por sinal, repetida durante o encontro entre o casal principal de personagens.
Claro, são devaneios de um crítico em férias, mas é sempre bom recordar que não é pequena a safra de produções coproduzidas com a Europa que – mais ou menos velada e subliminarmente – utiliza cineastas do oriente e produção do ocidente para destilar preconceitos contra seus desafetos. Poderíamos citar “Al Shafaq – Quando o Céu se Divide”, “Papicha”, “Clash”, “Degradé”, “Meu Querido Filho”, “Adeus à Noite”, “O Jovem Ahmed”, “Terminal Sul” e assim por diante como filmes representativos deste tipo de cinema preconceituosos fantasiado de filme de arte.
Voltando a “Meu Bolo Favorito”, diferente do que creio ter acontecido com a maioria do público e da crítica que o assistiu, o longa não me pegou. A direção e o roteiro de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha – casados na vida real – não transpiram as marcantes qualidades daquele cinema iraniano autêntico que encantou o mundo nos anos 1980. Pelo contrário, emula formulações europeias talhadas para conquistar júris de festivais internacionais.
“Meu Bolo Favorito” estreou nos cinemas brasileiros na última quinta-feira, 09/01.