MICKEY ROURKE RENASCE DS CINZAS PARA ENCARNAR “O LUTADOR”.

Existem temas bastante recorrentes no cinema, principalmente na produção norte-americana. A segunda chance, a tentativa de reconciliação com a família perdida, a dificuldade de se lidar com a decadência após a fama, a eterna e insaciável sede de violência da sociedade atual. De uma forma ou de outra, todos estes temas são abordados (novamente) no drama ”O Lutador”, co-produção franco-americana vencedora do Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2008.

O filme vem acumulando uma série de premiações e indicações internacionais, mesmo trazendo uma trama longe de ser original: Randy “O Carneiro” Robinson (Mickey Rourke) é um ex-campeão de luta livre que trabalha num supermercado durante a semana e consegue um dinheiro extra em lutas-exibições com outros veteranos dos ringues aos sábados e domingos. Solitário, sua grande e única amiga é a dançarina stripper Cassidy (Marisa Tomei), o clássico personagem da prostituta de bom coração. Randy leva a vida como pode, até o momento em que um problema de saúde o obriga a se repensar como pessoa.

O roteiro de Robert D. Siegel, praticamente um estreante no cinema, não é de fato o grande atrativo do filme, que acaba sendo “roubado” por dois outros profissionais: o diretor Darren Aronofsky e o ator Mickey Rourke. Darren havia chamado a atenção dos cinéfilos já há dez anos com seu estranho e experimental drama “Pi”, e logo depois com o fortíssimo e perturbador “Réquiem para um Sonho”. E Rourke, após ensaiar uma carreira das mais promissoras nos anos 80, passou por anos de decadência e papéis ruins.

Em “O Lutador” aprecia-se um Darren Aronofsky bem mais tradicional e menos inquieto que em seus trabalhos anteriores, mas que mesmo assim demonstra grande talento e sensibilidade para contar sua história. Coerente com o tema, ele opta por uma imagem granulada, “suja”, com direção de arte tristonha e cores esmaecidas. É como se nada brilhasse no filme. É como se nada brilhasse na vida do personagem. Presenteia seu protagonista com closes e mais closes generosos, fazendo explodir na tela as cruéis marcas do tempo e das lutas – em todos os sentidos – que definiram os rumos de “Carneiro”.
Precocemente tido como “morto” pelo implacável mercado comercial de cinema que não perdoa fracassos, Mickey Rourke renasce das cinzas e comanda o filme do primeiro ao último minuto. Não há praticamente nenhuma cena sem ele, que segura o rojão do personagem com total dignidade.

“O Carneiro” é uma criança indefesa presa no corpo de um gigante musculoso. E que estranhamente se alimenta do carinho de um público sedento por sangue e violência. São incoerências de uma sociedade bizarra, onde em determinada cena um rapaz arranca a própria prótese de sua perna e implora para que o lutador espanque seu adversário com ela…

Talvez nem Freud explique.