“MINHA FAMA DE MAU” DESPERDIÇA UM ÓTIMO TEMA.

Por Celso Sabadin.

Encantado com o atual mapeamento cinematográfico que a produção audiovisual brasileira tem feito dos movimentos artísticos-midiáticos dos anos 1960, 70 e 80 (leia-se “Elis”, “Chacrinha”, “Simonal” e “Bingo”), fui assistir a “Minha Fama de Mau” na expectativa de ver, retratada na tela, a no mínimo curiosa experiência da Jovem Guarda. Minha expectativa era potencializada pela leitura recente, das mais prazerosas por sinal, do livro de Erasmo Carlos que originou o filme.

Logo nos primeiros minutos, um banho de água fria arrefece minha expectativa: o filme começa narrado verbalmente. Se eu quisesse que uma narração falada me contasse a história de Erasmo Carlos, eu teria procurado ouvir um programa de rádio sobre ele, ou buscaria o áudio-book do livro. Respiro fundo na esperança otimista que tal verbalização fosse apenas o pontapé inicial da narrativa audiovisual que – esperava eu – viria em seguida. Mas a coisa só piora. O filme abre nada menos que quatro linhas estético-narrativas que rapidamente entram em conflito, distanciam o espectador da dramaturgia, confundem-se (e confundem a plateia), não se sustentam, são abandonadas no decorrer da trama, e acabam por enfraquecer o que poderia ter sido um ótimo registro de uma fascinante época da cultura, da música e do entretenimento brasileiros.

Quais seriam estas quatro linhas que se embananam? Vamos lá. (1) Como boa parte das produções nacionais dos últimos tempos, “Minha Fama de Mau” também se inicia com a já citada declaração de auto-incompetência cinematográfica chamada narração. Não uma narração qualquer, mas uma narração verbal redundante com o que as imagens já estão mostrando. No caso do filme, tal narração sequer é em off, mas com o protagonista olhando diretamente para a câmera/público, o que nos leva à segunda linha estético-narrativa utilizada no longa, (2) a quebra da quarta parede. Nada contra o recurso, mas para utilizá-lo com eficiência são necessárias qualidades aqui ausentes, como alguma ironia e/ou sarcasmo e/ou humor no texto ou, pelo menos, alguma criatividade que justifique a utilização da ferramenta. Quando a narração, aliada à insossa e ineficiente quebra da quarta parede, já parecem ser suficientes para tirar o público do que deveria ser uma imersão ficcional, surge ainda uma terceira linha para poluir a narrativa: (3) a apropriação da linguagem das histórias em quadrinhos, um penduricalho estético pouco ou nada justificável dentro do universo abordado. Nesta salada mista de recursos, salva-se – com louvor – a linha (4) de assumir cenas documentais da época – ótimas, por sinal – para compor um bem-vindo painel histórico de ambientação do momento que se deseja retratar.

Porém, talvez o maior problema de “Minha Fama de Mau” seja a escolha do ator principal. O demérito não seria de Chay Suede, que parece se esforçar ao seu limite para viver o protagonista, mas sim de quem o colocou lá. Não há um segundo sequer do filme em que se vislumbre pelo menos um rápido lampejo de Erasmo Carlos em Chay Suede. O ator não tem nem o carisma, nem o ar, nem o jeitão e nem o tamanho necessário para viver Erasmo que – afinal – ganhou o apelido de Tremendão pelo seu porte físico avantajado. Fica até sem sentido, no filme, quando Carlos Imperial explica a Erasmo que o apelidou de Major em função de seu “porte militar”. Não seria um grande problema se os atores que representam Roberto Carlos e Wanderleia não fossem fisicamente tão semelhantes aos seus representados (como realmente não são), mas tal discrepância não poderia acontecer com o próprio motivo de ser do filme.

Tampouco acho que seja necessário, dentro do maravilhoso mundo ficcional do cinema, que os atores que interpretam personagens reais sejam exatamente iguais – fisicamente – aos seus representados, como aconteceu em “Gandhi”, “Elis” ou “Bohemiam Rapsody”, por exemplo. Interpretação não é imitação. Mas acredito ser fundamental que haja uma representação artística e/ou humana minimamente convincente, principalmente no caso de um personagem de grande reconhecimento popular e contemporaneidade como Erasmo Carlos. O desnível de semelhança entre Chay e Erasmo torna-se ainda mais espantoso quando o filme faz a (péssima) opção de manter nas cenas documentais a presença do próprio Erasmo, o que grita aos olhos da plateia o quanto um nada tem a ver com o outro, cometendo, assim, o maior dos pecados cinematográficos: tirar o público de sua imersão ficcional.

Desta forma, aprecia-se “Minha Fama de Mau” apenas aos pedaços, fragmentado, curtindo aqui e ali algumas cenas soltas que dão certo (o reencontro com Roberto Carlos, por exemplo, ou alguns números musicais isolados), mas sem a possibilidade de reconhecer no longa algum tipo de unidade sólida, seja narrativa, dramatúrgica, emotiva, ou meramente de entretenimento. O filme acaba se transformando nostalgicamente numa ótima oportunidade desperdiçada. Que pena!