“MINHA PERNA, MINHA CLASSE”. PORQUE A LUTA CONTINUA.

Por Celso Sabadin.

É muito comum que a nossa percepção de injustiças, prisões arbitrárias, perseguições políticas e torturas inadmissíveis estejam sempre associadas ao período da ditadura civil-militar iniciado em 1964. O documentário “Minha Perna, Minha Classe” vem comprovar que tais mazelas brasileiras – ainda que potencializadas neste período citado – começam bem antes, nesta nossa sofrida história social.

Com exibição especial e debate na Cinemateca Brasileira agendados para este próximo 18/03, “Minha Perna, Minha Classe” registra a vida e a trajetória política de Manoel da Conceição 1935 – 2021), líder camponês e sindicalista maranhense que já sofria com os desmandos do poder antes mesmo da ditadura de 64. Um “subversivo indomável”, como ele próprio se definiu em entrevista a “O Pasquim”.

Expulso com sua família por diversas vezes das terras que cultivava, Manoel alfabetizou-se já adulto, com o apoio do Movimento de Educação de Base, do educador Paulo Freire, abrindo assim seu caminho para a luta política e social contra o latifúndio. Em 1963, fundou e foi eleito presidente do primeiro sindicato de trabalhadores rurais do Maranhão, dissolvido logo em seguida pelo golpe militar. Filia-se assim à AP – Ação Popular… mas o restante desta inacreditável trajetória que chegará até o outro lado do planeta o documentário vai contar muito melhor que eu. Inclusive o motivo de seu emblemático título.

Apoiado em vários depoimentos tanto do biografado como de pessoas que com ele conviveram, aliado a um farto material iconográfico, “Minha Perna, Minha Classe” se reveste de uma importância histórica ainda maior neste delicado momento de reconstrução nacional que estamos vivendo.

O único senão do filme é seu maneirismo sonoro, que além de uma trilha musical quase ininterrupta, insiste em pontuar cortes e passagens de imagens com uma grande profusão de efeitos de som, causando um certo estresse auditivo. Nada, porém, que diminua os méritos deste importante e necessário registro documental.

A produtora paulista Cassia Melo conta que teve a ideia de fazer o filme quando conheceu Manoel da Conceição, há 20 anos, durante uma pesquisa de locação. “Foi um privilégio. Acabei viajando com ele por comunidades, assentamentos e aldeias no interior do Maranhão. Há 2 anos, em plena pandemia, resolvi transformar o sonho em realidade e chamei para o projeto um roteirista com esse olhar pungente, o cineasta maranhense Arturo Saboia, colega de longa data. E a ideia não é parar no documentário. A vida do Manoel rende uma série e precisa ser propagada, porque se funde com a própria história do país”, afirma Cassia.

Saboia já coleciona 70 prêmios no Brasil e no exterior. Dentre eles, o de melhor filme pelo curta “Farol” (2018), no Los Angeles Film Awards. O diretor acredita que este é o seu trabalho mais desafiador no gênero do documentário, seja pela complexidade do personagem, seja pela escassez de registros fotográficos e vídeos de época, em razão da clandestinidade da luta de Manoel da Conceição. No estilo, uma inspiração: “uma das minhas maiores referências no documentário é Eduardo Coutinho. Sou profundo admirador de sua obra, em especial Cabra Marcado para Morrer. Ambos os filmes têm assuntos similares, como a violência no campo”, finaliza.

 

Anote:

“Minha Perna, Minha Classe”, exibição do filme seguida de mesa redonda com o diretor e a produtora.

Sabado (18/03), às 19h na Cinemateca Brasileira – Sala Grande Otelo – Largo Sen. Raul Cardoso, 207 – Vila Clementino – São Paulo.

Ingressos gratuitos e distribuídos uma hora antes da sessão.

Informações: Tel. 11 5906-8000,