MOMENTOS DE PURO CONSTRANGIMENTO EM “BEM-VINDO A SÃO PAULO”

O olhar paulistano sobre a cidade de São Paulo já é dos mais conhecidos. A cada 25 de janeiro, aniversário da capital, as emissoras de TV despejam na mídia horas e horas de imagens, textos, sons e movimentos a respeito da maior metrópole da América do Sul. Como seria, porém, o olhar estrangeiro sobre a cidade? De que maneira São Paulo impressionaria – para o Bem e para o Mal – as vistas de tarimbados cineastas internacionais? O projeto – dos mais interessantes – motivou a organização da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo a convidar diversos diretores de várias partes do mundo para que cada um realizasse um curta-metragem que comporia um longa sobre a metrópole.
Assim, após três anos de produção, ficou pronto “Bem-Vindo a São Paulo”, filme composto por 18 segmentos: “Marco Zero”, de Phillip Noyce (Austrália); “Natureza-Morta”, de Renata de Almeida e Leon Cakoff (Brasil); “Manhã de Domingo”, de Mika Kaurismäki (Finlândia); ”A Garçonete”, de Kiju Yoshida (Japão); “Concreto”, narrado por Caetano Veloso (Brasil); “Novo Mundo”, de Jim McBride (EUA); “Ensaio Geral”, de Hanna Elias (Palestina); “Alguma Coisa Acontece”, de Maria de Medeiros (Portugal / França); “Aquário”, de Tsai Ming-Liang (Taiwan); “Esperança”, de Ash (EUA); “Fartura”, de Mercedes Moncada e Franco de Peña (México / Venezuela); “Formas”, de Andrea Vecchiato (Itália); “Signos”, de Max Lemcke (Espanha); “Modernidade”, de Amos Gitai (Israel); “Esperando Abbas”, de Leon Cakoff (Brasil); “Odisséia”, de Daniela Thomas (Brasil) e “Bem-Vindo A São Paulo”, de Wolfgang Becker (Alemanha).
A má notícia é que – salvo raríssimas e honrosas exceções – o que se vê na tela é muito parecido com tudo o que o paulistano já viu, nas reportagens especiais que as televisões já cansaram de exibir nos aniversários da cidade. Os lugares comuns são os mesmos, as visões são muito parecidas, algumas até redundantes. Alguém – principalmente o paulista – ainda agüenta ouvir a música “Sampa”, para retratar a cidade? E o batidísisimo conceito da cidade dos contrastes, então? Talvez a Praça da Sé seja novidade para o estrangeiro, mas é difícil que o tema ainda tenha algo de novo a mostrar para quem mora aqui há algumas décadas.
Mesmo com tantos cineastas estrangeiros no projeto, tanto o ponto alto do filme como o baixo ficaram a cargo dos brasileiros. O alto é o episódio dirigido por Daniella Thomas, que propõe uma micro “odisséia” visual e sensitiva pelo Elevado Costa e Silva, o popular Minhocão. E o baixo é o inacreditável “Esperando Abbas”, de Leon Cakoff. De carro, o próprio Cakoff percorre as ruas dos Jardins, à procura de um sem-teto que – afirma ele – teria impressionado o cineasta iraniano Abbas Kiarostami, numa de suas passagens por São Paulo. Ao encontrá-lo, Cakoff abaixa o vidro elétrico do automóvel e, sem sair do veículo, inicia uma conversação surreal com o desabrigado, dizendo coisas do tipo “O Abbas Kiarostami quer fazer um filme com você”. Desorientado, o pobre sujeito à beira da calçada mal entende o que está sendo dito. E com razão. Cakoff pergunta se ele um dia toparia participar do filme de Abbas, e o rapaz afirma que sim, desde que não fosse nada violento. Parece ruim o suficiente? Tem mais: não contente em ter cometido um dos momentos mais constrangedores já proporcionados pelo cinema brasileiro, o cineasta olha para a câmera e diz: “Vamos outra vez?”. E tudo é exaustivamente repetido, numa segunda e insuportável tomada.
São Paulo não merecia isso.