MOSTRA SP: “CORONATION” E SEUS TEMPOS PECULIARES.

Por Celso Sabadin.

Há um elemento exasperador em “Coronation”, documentário dirigido pelo artista visual, cineasta e ativista chinês Ai Weiwei: o tempo. Irremediavelmente contaminado pelas imagens fragmentadas que nos tem sido impostas desde o início da era televisiva, nosso olhar invariavelmente se desespera ao se confrontar com os tempos estendidos propostos por Weiwei em seu filme.

O simples andar de um profissional da saúde a caminho de seu posto de trabalho soa como uma eternidade. Mas não sem motivo: o não se render às facilidades das elipses cinematográficas impregna o documentário de um necessário sentido de urgência, por mais paradoxal que a afirmação possa parecer. Quantos podem estar morrendo nos intermináveis minutos que este profissional leva para chegar ao seu trabalho, nas gigantescas instalações da cidade de Wuhan, epicentro do coronavírus? Qual o tamanho e as relações tempo/espaço de tal gigantismo? Quantos perecerão enquanto o rapaz realiza seu interminável e fundamental ritual de se paramentar milimetricamente para adentrar ao ambiente contaminado? Que tempo é este? Que tempos são estes?

Da mesma forma, pode parecer excessivo à nossa ocidental ansiedade o tempo que o cineasta dedica à própria mãe. Mas não. Ela representa ali o tempo histórico de uma época em que seu admirado Mao Tse Tung proporcionava – segundo seu depoimento – uma saúde pública gratuita no gigantesco país que até hoje defende com a juoventude de uma colecionadora dos famosos livrinhos vermelhos. E ainda repreende seu jovem filho cineasta.

O título – Coronation – que remete tanto à uma “Nação Corona” como a uma suposta “coroação” real ainda carrega uma forte dose de sarcasmo que entra em rota direta de colisão com a percepção patriótica da velha senhora saudosa de dias melhores. Que “corona” (coroa) é essa? Que tipo de realeza ela premia?

“Coronation” não é um documentário convencional. Nem poderia, ser vindo de quem veio. É para ser visto com outros olhos e, principalmente, outros tempos.

O filme tem exibição na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo que começa nesta quinta-feira (22/10) em edição online. Os títulos serão exibidos em três plataformas (a Mostra Play, o Sesc Digital e a Spcine Play) e em dois cinemas ao ar livre na cidade de São Paulo: o Belas Artes Drive-In e o CineSesc Drive-in. A programação completa da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo está em https://44.mostra.org