MOSTRA SP: MULHERES (BRASILEIRAS) À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS.

Por Celso Sabadin.

Dizem que coincidências não existem, que na verdade elas seriam conspirações do Universo. Paulocoelhismos a parte, chamam a atenção as coincidências (ou conspirações) observadas em nada menos que quatro filmes brasileiros presentes nesta 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo:  “Mar de Dentro”, “Verlust”, “O Livro dos Prazeres” e “Mulher Oceano”.

Todas estas quatro produções – ainda que cada qual com seu estilo – têm entre si interessantes pontos em comum: (1) Suas protagonistas são mulheres vivenciando um momento de profunda angústia interior, um obstáculo existencial a ser superado; (2) todas são urbanas de classe média ou média/alta, na faixa dos 30 anos, e (3) nos quatro filmes o mar tem importância fundamental.

Senão, vejamos:

MAR DE DENTRO conta a história de Manuela (Monica Iozzi, eficiente), uma publicitária em ascensão que vê sua carreira ser interrompida por uma gravidez indesejada. Sempre independente e livre, ela repentinamente se percebe em situação de intensa vulnerabilidade emocional, tendo de lidar com grandes perdas e transtornos que transformarão o mundo como ela o conhecia.

Um aquário de peixes marinhos, o trauma de infância da personagem em relação ao mar, e a cena final têm representações simbólicas fundamentais dentro da trama.

De narrativa clássica e tradicional, o filme tem direção de Dainara Toffoli, que também assina o roteiro ao lado de Elaine Ferreira. Trata-se da estreia na direção de longas de Dainara, que dirigiu curtas como “Um Homem Sério” (em parceria com Diego Godoy), médias como “Dona Helena”, e séries como “Antonia”, além de uma extensa atuação no cinema publicitário.

Já “VERLUST” – coprodução Brasil/Uruguai – se desenvolve em duas belas mansões vizinhas, à beira-mar. É nelas que se acontece um perturbador quadrilátero amoroso composto por uma cantora famosa (Marina Lima) e o escritor que escreve sua biografia (Ismael Caneppele), somados à hiperativa empresária da cantora (Adreia Beltrão) e seu marido (Alfredo Castro). Um doloroso e intrincado nó emocional ao qual se junta à filha adolescente do casal (Fernanda Pavanelli).

Bem em frente às ricamente envidraçadas mansões, uma simbólica baleia encalhada agoniza diante dos olhares impotentes dos moradores e frequentadores da praia. Mas nada poderá adiar a festa de Reveillon planejada para aquela festiva noite.

“Verlust” foi escrito e produzido ao longo de 10 anos, explica o diretor Esmir Filho. “Mais uma vez, trata-se de uma parceria minha com o escritor Ismael Caneppele (como no filme Os Famosos e os Duendes da Morte), em um diálogo entre dois tipos de arte que subverte os limites da adaptação. Enquanto o filme narra o ponto de vista dos personagens que se projetam na criatura encalhada, o livro de Ismael – em fase de lançamento –  narra em primeira pessoa o ponto de vista da criatura marinha, que deseja se desprender de seu coletivo e procurar sozinha o ambiente do qual partiu há séculos”.

O terceiro filme desta lista, “O LIVRO DOS PRAZERES”, é livremente inspirado na obra da escritora Clarice Lispector, e trata-se do primeiro longa de ficção da diretora Marcela Lordy. O roteiro é da própria diretora em pareceria com Josefina Trotta.  Coproduzido por Brasil e Argentina, o longa mostra a angústia de Lóri (Simone Spoladore, ótima), uma professora que procura combater com uma intensa atividade sexual a solidão que a assola no enorme apartamento de frente para a praia, que herdou da mãe. Transtornada e reprimida por antigas questões familiares que a impedem de se entregar de maneira completa a um relacionamento, Lóri se apoia intelectual e sexualmente no  professor de filosofia Ulisses (Javier Drolas), que tenta lhe abrir os olhos. E o coração.

O oceano aqui novamente se apresenta como forte elemento  simbólico de liberdade, não apenas na exuberante vista do apartamento da personagem, como também em seus traumas mais ancestrais, que a impedem de entrar no mar desde criança.

E, finalizando, em MULHER OCEANO Djin Sganzerla não apenas assina a direção como também corroteiriza o filme (com Vana Medeiros) e interpreta os dois papeis principais: Hannah e Ana.  A primeira, escritora, vive uma crise matrimonial e acaba de se mudar para Tóquio. A segunda, apaixonada pelo mar e pelo Rio de Janeiro, recebe uma proposta tentadora para um emprego em uma cidade que não tem praia. Ambas são unidas por suas paixões pela água. Ambas são separadas por um oceano.

O filme já foi resenhado por este site em https://www.planetatela.com.br/critica/mostra-sp-a-alma-fluida-de-mulher-oceano/

Coincidências ou conspirações do universo, não importa. “Mar de Dentro”, “Verlust”, “O Livro dos Prazeres” e “Mulher Oceano” são quatro dos mais representativos exemplos da força das temáticas, protagonistas, personagens, roteiristas, diretoras e produtoras do cinema brasileiro que podem ser conferidos nesta 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em cartaz até o próximo dia 4 de novembro.

Todos os títulos do evento são exibidos em três plataformas (a Mostra Play, o Sesc Digital e a Spcine Play) e em dois cinemas ao ar livre na cidade de São Paulo: o Belas Artes Drive-In e o CineSesc Drive-in. A programação completa está em www.44.mostra.org