MOSTRA SP: “O CHARLATÃO”, ENTRE A POLÍTICA E A MEDICINA.

Por Celso Sabadin.

Não é de estranhar que os roteiristas de cinema tenham cada vez mais dificuldades em criar boas tramas inéditas: parece que a vida real já se encarregou de contar as melhores histórias, antes mesmo da ficção. Quem, senão a própria vida, poderia imaginar a história de um especialista em ervas que realiza diagnósticos precisos apenas examinando – superficialmente – uma pequena amostra de urina de seus pacientes?

Este é o ponto de partida do ótimo “O Charlatão”, coprodução entre República Checa, Irlanda, Eslováquia e Polônia que faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  O suposto (ou pelo menos alegado) charlatão do título é o herborista checo Jan Mikolasek, que durante décadas tratou de um número inimaginável de doentes apenas com compostos naturais. Do mais simples camponês ao Presidente da República. Tudo vai bem até o dia em que Mikolasek – que não permitia ser chamado de “doutor” – é acusado de ter matado, com suas ervas, figuras importantes do partido comunista da então Checoslováquia. Extremamente compenetrado e profissional, Mikolasek está firmemente seguro de sua inocência, mas teme que a investigação revele outras facetas de sua vida que poderiam condená-lo até mesmo à morte.

Com roteiro de Marek Epstein, “O Charlatão” opta por uma narrativa clássica que, graças à direção mais que segura da premiadíssima polonesa Agnieska Holland (de “Olivier, Olivier”, “Filhos da Guerra”, “Eclipse de uma Paixão”, “Complô Contra a Liberdade”, entre outros), prende o espectador da primeira à última cena. Tudo no filme é revestido de um marcante apuro técnico e profissional, desde questões mais concretas como reconstituição de época, direção de arte, fotografia e uma perturbadora trilha sonora, até elementos mais intangíveis como as sutilezas narrativas potencializadas pela magistral direção de Holland.

Exibido no Festival de Berlim e indicado da República Checa como seu representante no Oscar 2021, “O Charlatão” utilizou pai e filho na vida real – Ivan e Josef Trojan – para interpretar o protagonista em diferentes idades. Além da visível semelhança física, ambos estão perfeitos em seus papeis.