“MUDBOUND – LÁGRIMAS SOBRE O MISSISSIPI”, OU A PAZ PIOR QUE A GUERRA.

Por Celso Sabadin.

Mais de 70 anos após o seu término, a Segunda Guerra Mundial continua sendo fonte inesgotável de inspiração cinematográfica. Depois de “Dunkirk” e “O Destino de uma Nação”, chega ao circuito mais um filme sobre o tema: “Mudbound – Lágrimas sobre o Mississipi”.

Numa tradução livre, “Mudbound” significa algo como estar preso a um lamaçal, estar afundado na lama até o limite. E de fato a lama é onipresente no filme desde a primeira cena, em que vemos os irmãos Jamie (Garret Hedlund) e Henry (Jason Clark) enterrando com as próprias mãos o corpo do pai (Jonathan Banks). Ensaia-se a partir daí um drama familiar desenvolvido numa fazenda onde se cultiva algodão, ódio e racismo. A ação efetivamente decola em todo o seu vigor não quando estoura a Guerra, como poderia se supor, mas quando ela termina, trazendo de volta os jovens que passam a perceber que a intolerância e a ignorância do Mississipi podem ser tão cruéis e destrutivas quanto as de Hitler. Ou mais. Luta-se pela liberdade mundial nos campos da Europa mas não se consegue justiça no próprio quintal.

Percebe-se então que o verdadeiro lamaçal ao qual se refere o título não é o literal, mas o simbólico das relações humanas de dominação e racismo.

“Mudbound” é praticamente um filme de mulheres estreantes. O roteiro é adaptado do primeiro livro da escritora Hilary Jordan, publicado em 2008, e a direção é da cineasta Dee Rees, aqui demonstrando muita maturidade e segurança neste que é apenas o seu segundo longa para cinema, após “Pariah” (2011). O roteiro também é de Dee, em parceria com Virgil Wiliams, que também estreia no longa com este filme.

“Mudbound” não esconde sua origem literária, muitas vezes abusando da narração em off, mas a força de sua trama e a sólida construção de seus personagens fazem com que este problema seja relevado, na medida em que a história nos envolve e seduz com grande consistência dramatúrgica.  A belíssima fotografia de Rachel Morrison (a primeira mulher a ser indicada ao Oscar em sua categoria) amarra visualmente toda a narrativa, conferindo a “Mudbound” uma unidade visual clássica que remete aos grandes dramas épicos do período em que a ação é ambientada.

Com não poderia deixar de ser num filme escrito e dirigido por mulheres, “Mudbound” ainda escancara as injustiças do sofrimento feminino resultante de um mundo (muito mal) comandado por homens.

A estreia é nesta quinta,15 de fevereiro.