“MURIBECA”, MEU CONJUNTO HABITACIONAL, MINHA VIDA.

Por Celso Sabadin.

Ter uma casa não é simplesmente ter um teto. O conceito de moradia está firmemente associado às questões de sociabilidade, pertencimento, coletividade e identidade. Quando um programa de moradia é batizado de “Minha Casa, Minha Vida”, por exemplo, tal slogan não é gratuito: casa é, de fato, vida.

Assim, quando se destrói uma residência, destrói-se uma experiência. Quando se abandona um conjunto habitacional, abandona-se uma sociedade.

Poucos filmes conseguiram retratar este pensamento de forma tão afetiva como “Muribeca”, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 02/03.

O título se refere a um conjunto habitacional situado em Jaboatão dos Guararapes, colado a Recife, que em função de um imbróglio com a Caixa Econômica Federal teve de ser evacuado, por alegados motivos de segurança, evidentemente deixando seus moradores desassistidos. Como sempre. Com o processo se arrastando há décadas (também como sempre), o lugar hoje é praticamente uma cidade fantasma.

Engana-se, porém, quem achar que “Muribeca” é um documentário sobre estes entraves judiciais, ou sobre o descaso do poder público, ou ainda uma denúncia da situação. O maior entre os vários méritos do longa é tratar de tais assuntos apenas tangencialmente, preferindo se fixar nas questões relacionadas às memórias afetivas de seus moradores, e da construção (sem trocadilhos) não menos afetiva entre a moradia e os laços desenvolvidos com a comunidade.

Em tempos de arame farpado, cercas altas e alarmes verisure, a vida coletiva em Muribeca era nada menos que revolucionária. E o registro autêntico desta humanidade é o grande trunfo do longa.

Os roteiristas e diretores – Alcione Ferreira Camilo Soares –  conheceram Muribeca em momentos distintos e a memória do local era latente para eles. “Um conjunto habitacional que cada um de nós, por experiências distintas, já havia conhecido em tempos bem diferentes dos que estavam sendo travados quando nos reencontramos. E foi a partir das temáticas sobre cidades que nos movia enquanto produtores de imagem e da iminente destruição de um lugar cuja trajetória era reconhecida por sua vivacidade que nos colocamos para colaborar no sentido de reverberar essa história”, afirmam.

Além dos registros atuais, “Muribeca” conta também com inestimáveis imagens de arquivo de Ozael Lopes, um repórter amador e involuntário da comunidade, que filmou o conjunto de prédios incessantemente por décadas, e cujo material ajuda agora a transformar o longa numa espécie de viagem pelo tempo.

O documentário ainda traz depoimentos com moradores e moradoras, como o poeta Miró e o quadrinista Flavão, que também trabalhou como produtor local no documentário. Os diretores também assistiram a algumas audiências que a comunidade teve com o Ministério Público, e conheceram outras personagens que ali tentavam lutar e viver em meio às confusões e inseguranças jurídicas.

A estreia nos cinemas é hoje, 02/03.

Quem são os realizadores de “Muribeca”:

Alcione Ferreira é formada em jornalismo pela UFPE (2001). Foi fotojornalista sênior e vídeo repórter do Diario de Pernambuco (2000-2015). Dentre os prêmios de fotografia, destacam-se: Vladmir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, Senai de Jornalismo e Cristina Tavares. Compõe o coletivo de fotografia Cria.

Camilo Soares é também fotógrafo, diretor de fotografia e professor de cinema na UFPE. Participa do Coletivo do fotógrafos Cria e da Senda Produções. Assinou a fotografia de “King Kong em Asunción”, Kikito de Melhor filme no Festival de Gramado de 2020. Dirigiu os curtas “Sue, Turbulenta Aberração” (2013, com Zizo), “Céu de Lua, Chão de Estrelas” (2022, com Orun Santana) e “Ming” (2022). Publicou o livro de poemas “Palavras Sujas Sobre Azulejos Brancos” (Trevo, 2021).