“MUSIC”, A FORÇA DO NÃO VISTO.

Por Celso Sabadin.

Acho que já contei essa história aqui, mas lá vai. Muitos anos atrás, assisti à peça “Solidão, a Comédia”, com Diogo Vilela. Logo na primeira cena vemos o protagonista sentado numa poltrona de cinema, demonstrando uma profunda inquietação. Ele reclama consigo mesmo: “Ai meu Deus. Esse filme aqui é de prestar atenção. Se eu soubesse que era filme de prestar atenção, eu não teria vindo”.

Nunca mais me esqueci desta deliciosamente irônica classificação cinematográfica: “Filme de prestar atenção”. Seria exatamente aquele tipo de obra que a gente não encontra naquelas lanchonetes de shoppings que passam filmes.

Tudo isso para dizer que “Music” – estreando no Instituto Moreira Salles paulista nesta quinta-feira, 04/04 – é precisamente um filme de prestar atenção. E bota atenção nisso!

“Music” abre com um longuíssimo silêncio quebrado por um forte som de trovão, numa floresta escura. Ouve-se um grito desesperado de mulher. Alguém escala um morro bastante íngreme. Um bebê, chorando, é resgatado de uma casa em ruínas. Um carro perde uma de suas rodas, numa estrada árida e poeirenta.

Nós, o público, ainda não sabemos, mas estamos para testemunhar uma trama de tragédias, amores e culpas, que permeia tempos e espaços, conduzida por silêncios imensos e raros diálogos. E algumas músicas minuciosamente selecionadas, claro, para justificar o título do filme.

As passagens de tempo, as conexões entre os personagens, os caminhos narrativos, tudo transcorrerá através de longos planos contemplativos que exigirão – para usar a palavrinha da moda – uma “imersão” total do público, convidado assim a sair de sua zona de conforto cinematográfico.

Não raramente, a câmera nos leva a distanciamentos quase impensáveis. Trata-se de uma provocação estética que propõe olhares mais atentos através da simbólica destruição da insana pressa fragmentada que nos aguarda do lado de fora, após o final da sessão.

Coproduzido por Alemanha, França e Sérvia, “Music” é o trabalho mais recente da roteirista, montadora e diretora alemã Angela Schanelec, internacionalmente aclamada por “Eu Estava em Casa, Mas…”, “Marselle” e “O Caminho dos Sonhos”, entre outros. Para ela, “a história se desenvolve através do que não foi dito, que surge porque não há palavras para expressá-las. Tive que encontrar imagens para processos para os quais não há palavras. É como na vida. Fazemos coisas que não nomeamos. É perfeitamente humano. A fala é uma tentativa de quebrar o silêncio, mas é apenas uma tentativa. Nossas vidas estão repletas de falhas mútuas.de compreensão. Da mesma forma, as elipses não significam que algo não esteja acontecendo. Significa apenas que não podemos ver o que está acontecendo”, afirma.

“Music” recebeu o Urso de Prata de Melhor Roteiro no Festival de Berlim do ano passado.

 

 Quem é a Diretora

Angela Schanelec nasceu in Aalen, Baden-Württemberg, em 1962 e estudou Dramaturgia em Frankfurt am Main. Entre 1984 e 1991, trabalhou em vários teatros alemães antes de estudar direção na Academia de Cinema e Televisão em Berlim. É escritora e diretora independente desde 1995. Em 2005, fundou a Nachmittagfilm. É também professora conferencista de cinema na Academia de Belas Artes de Hamburgo. Dirigiu os longas “Das Glück meiner Schwester” (1995); “Plätze in Städten” (1998); “Mein langsames Leben” (2001); “Marseille” (2004); “Nachmittag” (2007), “Orly” (2010), “O Caminho dos Sonhos” (2016), e “Eu estava em casa, mas…” que recebeu o Urso de Prata de Melhor Direção no Festival de Berlim (2019).