“NANAMI”: O CINEMA LIBERTÁRIO DA GERAÇÃO 68.

Por Celso Sabadin.
 
Nanami (a estreante Kuniko Ishii) e Shun (Akio Takahashi, em seu único filme) alugam um quarto para fazer amor pela primeira vez. Ambos são menores de idade. Ela, desinibida, diz estar acostumada com a situação por trabalhar em um “estúdio de nudismo”. Ele, virgem e tímido, diz que é tão travado que chegou a tomar “aulas de riso”, para aprender a gargalhar. Sem sucesso. O ato não se consuma.
 
A partir desta dicotomia, o roteirista e diretor Susumu Hani, um dos pioneiros da Nouvelle Vague Japonesa, desenvolve as intrigantes trajetórias e personalidades dos jovens protagonistas, enveredando por temas e caminhos surpreendentemente polêmicos para aquele distante 1968, ano de produção do filme. Entre eles, abuso sexual infantil e sado masoquismo.
 
Hani navega – com a mesma desenvoltura de sua personagem feminina principal – por um estranho submundo sensual e sexual onde homens engravatados supostamente respeitáveis e estabelecidos em suas sociedades satisfazem suas taras simplesmente observando e fotografando mulheres nuas ou se agredindo com violência. Por outro lado, como informa a própria Nanami, “é contra a lei mostrar os pelos pubianos”, de acordo com a hipocrisia dos códigos morais vigentes. Tocar também não pode, a exemplo dos espetáculos de peep-show que Win Wenders mostraria muito tempo depois em seu Paris, Texas.
 
Simultaneamente, Shun se sente atraído por este universo perturbador de Nanami (que por sua vez se apaixona por um de seus clientes), ao mesmo tempo em que busca dolorosas sessões de hipnose para tentar superar os traumas – igualmente sexuais – de seu passado.
 
Assinando o roteiro em parceria com Shûji Terayama, o diretor Hani não se ocupa nem se preocupa em julgar seus personagens. Apenas os exibe de forma magistral e com olhar investigativo, quando não afetivo. Fortemente influenciado pela estética da Nouvele Vague Francesa (com pitadas de Neorrealismo Italiano em suas cenas externas e na utilização de não atores), “Nanami” expõe um meticuloso trabalho de sobreposições sonoras e musicais, riquíssimas composições de quadros, montagem libertária com direito a jump-cuts, e momentos de uma bela e instigante fotografia estilo noir assinada por Yûji Okumura. Personagens em preto e branco tendo sonhos coloridos é uma das grandes metáforas poéticas da obra.
 
Com produção da ATG – Art Theatre Guild – e do próprio diretor através da Hani Productions, “Nanami” foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Berlim.
 
Não há registro, pelo menos no Imdb, de “Nanami” ter estreado no Brasil, sequer no restrito circuito de filmes orientais situado no bairro paulistano da Liberdade. A informação parece plausível, em função do país estar, na época, sob rígida ditadura militar que não permitiria a liberdade do tema. Internacionalmente ele é conhecido como “Nanami: The Inferno of First Love”, e seu título original é “Hatsukoi: Jigoku-hen”.