“NOSSA SENHORA DO NILO”: RUANDA É AQUI.

Por Celso Sabadin.

O uso político do fanatismo religioso é um dos processos mais antigos e recorrentes dos mecanismos de dominação social. E que sempre terminam em tragédia. Seja no Brasil contemporâneo, seja na África de décadas passadas, como mostra “Nossa Senhora do Nilo”, que está em sua segunda semana em cartaz, nos cinemas brasileiros.

A partir do romance autobiográfico da escritora Scholastique Mukasonga, publicado em 2012, o filme mostra o embrião dos fatos que culminariam anos depois no terrível genocídio de Ruanda, em 1994. Adaptado por Atiq Rahimi, que também dirige a obra, e Ramata-Toulaye Sy, “Nossa Senhora do Nilo” se inicia na escola católica que nomeia o longa, um colégio frequentado por garotas da elite ruandesa, que ali aprendem um pouco de tudo, exceto sobre a realidade do seu próprio país.

Porém, mesmo com o isolamento – tanto físico como social e ideológico – do lugar, as lutas entre as etnias hutus e tutsis são estruturais e poderosas demais para passarem ao largo da tal escola.

Afegão, o próprio diretor Atiq Rahimi diz em entrevista que conhecia pouco sobre Ruanda antes de realizar “Nossa Senhora do Nilo”.  “Sabia sobre o genocídio de 1994, uma tragédia que, na minha mente, é como o fratricídio que aconteceu em meu país e começou dois anos antes. Nos dois casos, começou como uma questão política, e, depois, se tornou problemas étnicos, de raça e até de religião.” Rahimi, que também é escritor, conheceu Mukasonga em um evento literário em 2008, e leu seu livro assim que publicado, em 2012.

Para ele, a relação entre a violência e o sagrado é o principal ponto do filme, pois “tanto Ruanda quanto o Afeganistão, nos anos de 1970, estão sob um regime totalitário. Não são as pessoas que decidem o sistema político, mas uma elite e os tecnocratas. O genocídio de 1994 não aconteceu de repente, mas suas origens estão em 1959, quando a monarquia foi deposta, e depois em 1973 com a perseguição às elites e aos intelectuais.”

Soa familiar?

“Nossa História do Nilo” é uma coprodução entre países colonizados (que sempre sofrem com os fatos relatados neste tipo de filme) e colonizadores (que sempre adoram fazer filmes sobre países colonizados, o que não deixa de ser uma atitude colonizadora). São eles: França, Bélgica, Ruanda e – quem diria – Mônaco.

Só pra finalizar: há um outro ótimo filme, este mais especificamente sobre o genocídio: “Hotel Ruanda”.