O AFETUOSO E TRAGICÔMICO “INFERNINHO” CEARENSE.

Por Celso Sabadin.

Existe um cinema brasileiro totalmente desconhecido da esmagadora maioria dos brasileiros. Bom, na verdade, praticamente todo o cinema brasileiro é desconhecido do público nacional, mas há um nicho ainda mais restrito de filmes aqui realizados que dificilmente ultrapassam as fronteiras dos festivais que participam (e são premiados), e quase nunca chegam ao circuito comercial. Trata-se de filmes como, por exemplo, “Estrada para Ythaca”, “Os Monstros” ou “Doce Amianto” que fazem furor nos eventos por onde passam (principalmente o Festival de Tiradentes), levantam debates, plateias e troféus, mas são sufocados pelos predatórios mecanismos da distribuição cinematográfica de um país de cultura colonizada.
Um destes filmes chega agora à exibição extra-festivais, ainda em circuito restrito: “Inferninho”, dirigido a quatro mãos por Pedro Diógenes e Guto Parente, não por acaso responsáveis também pelos três longas citados acima. “Inferninho” mostra com ternura e escracho um amor repentino nascido entre outsiders. Deusimar (Yuri Yamamoto, ótimo) é a dona do tal inferninho do título, um bar onde se encontram os mais bizarros clientes, invariavelmente vestidos de super-heróis ou personagens infantis. Nem é possível dizer que o lugar é decadente, pois a decadência pressupõe pelo menos algum tipo de glamour do passado, o que certamente nunca ocorreu por ali.
É neste ambiente claustrofóbico, iluminado apenas pela bela voz da cantora Luizianne (Samya De Lavor, de “O Barco”), que adentra certa noite Jarbas (Demick Lopes), um marinheiro de passado misterioso que “todos” dizem ser parecido com Sean Penn. A paixão entre Deusimar e Jarbas é instantânea e arrebatadora, mas o amor entre eles terá de passar por provações deliciosamente sarcásticas e inverossímeis regadas a generosas doses de Campari e sarcasmo.
Produzido no Ceará, “Inferninho” mostra toda a criatividade de um tipo de cinema brasileiro que tem de “se virar” para existir: de baixo custo, criativo, e que acima de tudo faz de suas deficiências sua própria linguagem. Trágico, envolvente e bem humorado num só tempo. Vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival do Rio, do prêmio de Melhor Filme no Janela de Recife, e no Festival Internacional de Cinema Queer de Lisboa.