O AMARGO “AÇÚCAR” DA ELITE BRASILEIRA.

 Por Celso Sabadin.

O golpe de estado de 2016 abriu espaço para diversas discussões sobre fatores históricos que levaram o país a constituir uma elite sedenta de poder baseada fundamentalmente na exploração da mão de obra gratuita ou muito barata. Tal discussão, como não poderia deixar de ser, teve fortes ecos no cinema, através de filmes como “Casagrande”, “Que Horas Ela Volta”, “Bacurau” e vários outros.

Na mesma linha de raciocínio, já neste primeiro mês de 2020 somos brindados com a estreia de “Açúcar”, escrito e dirigido por Renata Pinheiro e Sergio Oliveira.

O filme é centralizado em Bethânia (Maeve Jinkings), herdeira de um antigo e desativado engenho de cana de açúcar, na zona da mata pernambucana. Numa primeira leitura, nota-se que ela pretende reformar o lugar, reviver sua antiga imponência, mas simbolicamente fica claro que na realidade a sua intenção mais íntima seria a de restaurar os tempos da escravidão, sempre favoráveis à elite branca do país. Bethânia, porém, vive uma forte contradição interna, pois ela própria é miscigenada, por mais que o falso alisamento de seus questionáveis cabelos loiros tente esconder o fato.

O microcosmo do engenho torna-se assim referência de um país que não consegue se desvencilhar de suas raízes coloniais, e que continua aprisionado ao século 19, na medida em que ainda vê,  na presença das manifestações culturais do negro – agora também proprietário das terras vizinhas – uma constante ameaça a uma suposta preponderância social alegada apenas por quem a reivindica unilateralmente. O abismo permanece.

Talvez um pouco mais de sutileza nos diálogos e situações de “Açúcar” poderiam potencializar a força da mensagem, mas nada que tire os méritos de mais esta importante produção que ajuda a mapear a lamentável situação histórica em que o país se meteu nos últimos anos.

“Açúcar” marca a segunda vez que Renata Pinheiro e Sergio Oliveira trabalham com a atriz Maeve Jinkings, após “Amor, Plástico e Barulho”, dirigido por Renata e produzido por Sergio.