“O ANJO” PERTURBADOR E AMORAL.

Por Celso Sabadin.
 
Criminosos carismáticos sempre chamam a atenção do público. Bonnie e Clyde que o digam. Transformar em filme as aventuras de contraventores que de alguma maneira obtiveram notoriedade por seus métodos ou tipos físicos costuma render bons filmes. Principalmente quando baseados em casos reais. “O Anjo” é um deles.
 
Coproduzido por Espanha e Argentina, “O Anjo” é inspirado na vida de Carlos Alberto Puch (vivido por Lorenzo Ferro, ótimo), rapaz loiro e bonito, da classe média portenha, que nos anos 1970 entrava tranquilamente em residências ricas para roubar qualquer coisa que o atraísse. Poderia ser uma joia, alguns discos, talvez até uma moto ou mesmo um automóvel. Sua intenção, porém, não era enriquecer com o crime, mas apenas curtir um pouco, presentear os amigos, e dar vazão ao ato de roubar, que ele considerava totalmente natural. O que não chega a ser um pensamento totalmente esquisito naquele mundo pós-68.
A coisa se complica quando Carlos começa a aprofundar o estranho relacionamento que tem com o amigo Ramón (Chino Darín, filho de Ricardo Darín), iniciando uma fase muito mais – digamos – “profissional” em seus crimes. E, consequentemente, mais violenta. Em outras palavras, a até então “porralouquice” (para usar uma expressão da época) do inconsequente e libertário do ato de roubar os ricos assume proporções catastróficas quando o fator profissionalizante/capitalista entra em cena. E vale lembrar que o novo parceiro de crimes não é nenhum marginal, mas sim um colega da mesma escola classe média frequentada por Carlos.
Dirigido pelo argentino Luís Ortega, “O Anjo” chama a atenção pela maneira amoral (não confundir com imoral) com a qual o protagonista encara seus crimes. É como se eles acontecessem por conta própria, sem a sua ação, como se existissem apenas num mundo paralelo e inconsequente que não tivesse necessariamente uma ligação concreta com o seu livre arbítrio. Carlos parece simplesmente flutuar por este mundo de violência sem jamais ter a real consciência de seus atos, nem dos perigos que causa e que corre. Ele próprio se considera um enviado de Deus, o tal anjo do título, o que lhe confere olhar a atitudes sempre unidimensionais, independente da gravidade dos atos que pratica.
Tais atitudes (e não atitudes) colocam o filme numa espécie de limbo dramatúrgico onde ficam borradas as fronteiras entre o dramático e o cômico, entre o cruel e o risível. Tudo sob as cores fortíssimas e a ironia das canções bregas dos anos 1970, que conferem ao longa uma ambientação estilística, visual e musical que acaba se tornando, por si só, importante e influente personagem desta perturbadora história de amores e crimes mal resolvidos. O resultado é dos mais atrativos.
A lamentar apenas a grande quantidade de cenas em que o filme sinaliza que vai terminar… e não termina. Causa alguns anti-clímaxes (existe isso?), mas nada que tire os méritos deste intrigante estudo sobre moral, violência e criminalidade.
 
Representante oficial da Argentina no Oscar 2019, “O Anjo” foi foi selecionado para a Mostra Un Certain Régard, do Festival de Cannes, em 2018, quando participou ainda dos Festivais de San Sebastián e Toronto. Também no ano passado, integrou as programações do Festival do Rio e da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Lorenzo Ferro ganhou os prêmios de melhor ator no Festival de Havana e Fenix de 2018, além de ter sido indicado para o Prêmio Platino 2019, na mesma categoria.
 
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